sábado, 15 de maio de 2010

Crônica- Artigo Científico

ESTE TRABALHO FOI PUBLICADO NA REVISTA AEI, ITAPETININGA.


CRÔNICA

Vera Lúcia Grando

Drª em Lingüística e Semiótica Geral pela USP,

Professora na AEI, na FAMEC e na Rede Estadual de Ensino.

Palavras- chave: Crônica, origem, Millôr.

Resumo: O artigo oferece algumas definições de crônica por cronistas renomados e uma análise lingüística do texto A Vaca, de Millôr Fernandes.

Key- Word: chronicle, origin, Millor.

Abstract: The article offers some definitions of chronicle by renowned chroniclers and a linguistics analysis of the text "The Cow", written by Millor Fernandes.

No movimento da linguagem, no entrelaçamento de idéias, nas múltiplas formas de texto, há uma estrutura que causa risos, espanto, reflexão, perplexidade, conforme seu contexto: a crônica.

A origem da palavra crônica é grega, vem de crono ( tempo). Foi introduzida na língua latina chronica. No século XIV, utilizava-se o termo cronicão para designar resumos, anais em que fossem relatadas as histórias de reis, países, nobres. Presume-se que a palavra crônica seja derivada de cronicão. O Dicionário Etimológico de Antônio Geraldo da Cunha ( 1999) registra essa palavra como uma entrada na língua portuguesa proveniente do francês chronaxie.

A carta de Pero Vaz de Caminha ao rei D. Manuel foi a primeira crônica brasileira; “ é o marco inicial de uma busca que, inevitavelmente, começaria na linguagem dos ‘descobridores’ que chegavam à Terra de Vera Cruz, até que um natural dos trópicos fosse capaz de pensar a realidade brasileira pelo ângulo brasileiro, recriando-a através de uma linguagem livre dos padrões lusitanos”.( Sá, A Crônica, 2001,p.5) Esse tipo de crônica é histórica.

Caminha também estabeleceu o princípio básico da crônica: “registrar o circunstancial” (idem, p.6). Esse registro iniciou oficialmente a Literatura Brasileira. Portanto, “a Literatura Brasileira nasceu da crônica”. (idem, p.7)

Atualmente, a palavra crônica é um texto em que há acontecimentos narrados em um tempo contemporâneo ao do narrador, o qual, nele, desenvolve reflexões genéricas sobre os fatos, acontecimentos mencionados . A crônica pode ser confundida com conto. A crônica é uma narrativa curta que recebe um tratamento literário, mesmo que não seja considerado ficcional. O cronista pode dar à crônica várias facetas,tais como: Descritiva- espécie de crônica que explora a caracterização de seres animados e inanimados em um espaço como um retrato, com detalhes pormenorizados de maneira subjetiva ou objetiva ; Narrativa- envolve muitas ações, poucas personagens e uma conclusão inusitada; Narrativo- Descritiva- em meio a narração aparecem trechos descritivos que parecem congelar as imagens para que o leitor possa visualizá-las; Lírica-é uma espécie de tradução de sentimentos, de emoções, expressão do estado emotivo do cronista ; Reflexiva/ Filosófica- o autor procura inferir sobre a realidade que o cerca, apresentar uma reflexão a partir de um fato ou evento; Metalingüística- o autor volta-se para a escrita, reflete sobre as palavras, sobre as letras; Comentário (esportivo, policial, econômico...) – a visão jornalística se mescla com os comentários do autor ou trata de aspectos particulares das notícias ou dos fatos; Humorística- dá ao leitor uma visão irônica ou cômica dos fatos .

Não é simples estabelecer as diferenças entre o conto e a crônica, uma vez que desta também participam personagens, há um pequeno enredo, o tempo e o espaço , quando trata de eventos que caracterizam uma parte da sociedade. Observe-se o que Célia Passoni escreve a respeito de crônica.

“Costuma-se definir a crônica como um conto sem enredo. Nascida no século XVIII, é um gênero literário de assunto aberto e livre, geralmente apoiado em pequenos fatos do cotidiano e prestando-se a reflexões sobre arte, política, crimes, processos, divagações acerca de incidentes diversos, enfim, tudo o que um observador atento pode extrair do dia-a-dia de pessoas comuns.

O tempo está preso ao presente, mas, quando solicitada, a memória socorre o narrador, que busca associações com acontecimentos de diferentes épocas e, muitas vezes, passado e presente estão juntos para que seja feito um prognóstico do futuro, do que se pode esperar dos homens e da vida.

Há dois veios básicos para que os assuntos divaguem em uma crônica: escreve-se ou em tom sentimental ou em tom humorístico, ambos, porém, sem a agressividade que pode ser importante em outros gêneros narrativos.” ( PASSONI, C.A .N. FUVEST 99, Literatura, p. 147)

Jorge de Sá (2001) argumenta que não se deve confundir narrativa curta com conto. Este possui uma densidade específica, foca a condição humana por meio de exemplos, sem se referir à valoração moral, uma vez que uma mazela mencionada nele pode exemplificar uma das nossas faces. A crônica, por sua vez, conserva a marca circunstancial. É feita por um narrador-repórter que relata um fato a um público determinado, a uma classe que tem preferência pelo jornal em que ela é publicada. Sua riqueza estrutural nasce da economia de laudas, linhas estabelecidas pela indústria jornalística. Geralmente, o cronista reúne as suas crônicas em uma coletânea.

“Enquanto o contista mergulha de ponta-cabeça na construção do personagem, do tempo, do espaço e da atmosfera que darão força ao fato exemplar”, o cronista age de maneira mais solta, dando a impressão de que pretende apenas ficar na superfície de seus próprios comentários, sem ter sequer a preocupação de colocar-se na pele de um narrador, que é, principalmente, personagem ficcional ( como acontece nos contos, novelas e romances). Assim, quem narra uma crônica é o seu autor mesmo, e tudo o que ele diz parace ter acontecido de fato, como se nós, leitores, estivéssemos diante de uma reportagem”. (Sá, 2001, p.9)

Nem sempre o tempo ajuda o escritor, pois deve registrar o fato de um dia para o outro ou de uma semana à outra, com um número de linhas determinadas, deixando a sua linguagem mais próxima da oralidade que da norma culta da escrita, entretanto, há aqueles que fazem um dialogismo entre literário e coloquial, em que a fala coloquial da rua é transformada, elaborada entre o cronista e o leitor de uma maneira simplória, mas que ganha uma dimensão exata.

Jorge de Sá ( 2001) menciona também a importância de Paulo Barreto (1881-1921-pseudônimo João do Rio) no início do séc. XX, porque, ao perceber que a modernização diária da cidade exigia uma mudança de comportamento daqueles que escreviam a sua história diária em folhetins, passou a não esperar por uma reportagem e começou a freqüentar lugares refinados e a fina flor da malandragem. Construiu uma nova sintaxe, mudando a linguagem e a própria estrutura folhetinesca.

Outra visão sobre a crônica pode ser dada por Rubem Braga, na qual o cronista, “o escrivão do cotidiano compõe um claro caminho, através do qual o leitor reencontra o prazer da leitura e – mesmo que não o perceba – aprende a ler na história ‘inventada’ a sua própria história”. (apud Sá, p.12). Sá acrescenta que ao redigir, o cronista deverá criar um papel em que expresse um lirismo reflexivo ( um repensar constante pelas vias de emoção aliada à razão) e que Rubem Braga procura demonstrar esse lirismo reflexivo.

A respeito de Fernando Sabino, cronista, Sá (2001) comenta que Sabino abandona o diálogo direto com o leitor, desviando o foco narrativo da primeira pessoa para uma falsa terceira pessoa. Embora se saiba que quem fala na crônica é sempre o próprio cronista, o narrador reassume a sua máscara ficcional. Já, Lourenço Diaféria ( Sá, p. 38) confere mais importância ao acontecimento em si, porque é a partir dele que depreenderemos o lado risível de cenas que se repetem no dia-a-dia, embora vividas por atores diferentes nas crônicas.

O cronista também pode ser poeta, pode ver poesia nos fatos corriqueiros, pode perceber a poesia em um objeto qualquer e torná-lo rico, do qual emanam sensações por meio de uma linguagem singela, poética e comum. Para Sá (2001, p. 48 e 50),“quando narramos apenas o que todos podem ver, ou quando simplesmente fazemos referência a seres e objetos cuja existência é tão palpável que qualquer pessoa pode comprová-la, torna-se impossível alcançar o plano da poesia. O cronista-poeta sabe disso, motivo pelo qual ele usa palavras para construir o seu mundo, mas o que ele passa ao leitor não está nas palavras em si, está no que elas significam e no que elas possuem de faunos e sereias, que só existem na confluência do real com o irreal. Porque o sentido da poesia- e, por extensão, da crônica, que tem um suporte poético – está na ultrapassagem do que é, para alcançar aquilo que pode ou poderia ser.

Com um olhar ao longo, de sentimentos desprovido de conceitos pré- estabelecidos sobre todas as coisas existentes, o cronista procura no dia-a-dia , em tudo que é visível, mas nem sempre percebido pelo homem, um tópico para desenvolver a sua idéia. Faz o leitor perceber o simples e o suntuoso que há no mundo, uma vez que os valores sociais se divergem, o que é mais importante para um, não é notado pelo outro e que “...o jornal nos dá notícias da vida e da morte; a crônica nos faz compreender a coexistência desses dois elementos que se opõem, mas não se excluem. Por isso Paulo Mendes Campos coloca a poesia como suporte de suas crônicas, o que se percebe nas referências a outros poetas e nas imagens com que ele nos lembra que ainda vale a pena viver.” ( Sá, p.56)

A crônica é suporte de momentos compartilhados muitas vezes com o leitor, mas é apresentada de tal forma que este sente prazer ao lê-la, pois seus pensamentos abrem novos horizontes, novos caminhos para um fato anteriormente definido, rotulado. De certo modo ensina a ver, a perceber novas resoluções, atitudes, concepções de valores, diante de um fato tão comum na sociedade “... a crônica também ensina que o homem se encontra no que está fora do homem.” ( Sá, p. 72)

Após os apontamentos acerca da crônica, sugere-se ainda que um professor recorra da crônica como material a ser utilizado em classe, em todas a disciplinas, haja vista a sua abrangência nos vários segmentos sociais, pois o universo dessa pode ajudar o aluno a refletir sobre o mundo ou criar um novo ponto de vista sobre as coisas que o cercam. E assim, “a crônica – apesar de toda a sua aparente simplicidade – só pode ser valorizada quando a lemos criticamente, descobrindo a sua significação”. ( idem, p. 79) A sua leitura deve estar ligada à descoberta de vários registros do discurso, ao que leva o leitor a interpretar cada passagem até atingir uma interpretação global. Geralmente, essa leitura ocorrerá quando a crônica passar do jornal para o livro, pois o leitor do livro terá mais tempo para apreciá-la que um leitor de jornal, o qual tem mais notícia para ler.

Para elucidar um pouco mais sobre a aplicação em sala de aula, uma crônica humorística do jornalista, humorista, cronista, comentarista, chargista, pintor, escritor, poeta, tradutor, publicitário.... Millôr Fernandes, será o corpo para uma análise abaixo, a qual poderá ser complementada pelos futuros leitores. O texto, A Vaca, faz parte de Conpozissõis Imfãtis e pode ser visto no site do autor com 400 mil itens criados pelo autor, classificados,sistematizados e digitalizados por uma equipe de produção e desenvolvimento, supervisionado pelo próprio Millôr Fernandes..

A Vaca


A vaca é um bicho de quatro patas que dá carne de vaca. Tem um rabo pra espantar as moscas e uma cara muito séria de quem está fazendo sempre essa coisa importante que é o leite.

O marido da vaca é intitulado boi. A vaca tem dois estômagos e por isso fica sempre com a comida indo e vindo na boca que, quando a gente faz, a mamãe diz que porcaria! Já vi ordenhar vaca, que é quando ela faz aquela cara fingindo que não está gostando nada.

Vaca dizem que já custa muito cara viva, agora no açougue custa muito mais e em bife então nem se fala. A vaca a professora ensina que ela dá leite mas nas horas de tirar é que a gente vê que ela dá mas custa. Vaca só se alimenta de grama e daí eu não sei porque o leite não é verde.

Se a gente fica perto ela fica olhando com olhar de que a gente fez alguma coisa com ela e ela está muito magoada. Eu acho que todas as vacas vieram dos Estados Unidos porque ainda não perderam o jeitão de quem masca chiclete.

Análise do texto:

O texto A Vaca, de Millôr Fernandes, apresenta palavras mais concretas que abstratas, as quais fornecem elementos o suficiente para formar um cenário, tais como: vaca, quatro patas, carne de vaca, rabo pra espantar, moscas, estômagos, comida indo e vindo, leite, açougue, bife, professora, grama, chiclete, Estados Unidos. O cenário e as figuras podem ser visualizadas ou desenhadas, portanto o texto é figurativo.

Nota-se ainda sobre as palavras que há muitos substantivos de gênero único: um bicho, o leite, a grama, as patas, o açougue, o bife, a gente, os Estados Unidos, o jeitão, o chiclete; há palavras homônimas homófonas homógrafas ( aquela cara fingindo e já custa muito cara viva); há palavras que se destacam pela freqüência, vaca ( sete vezes), podendo ser considerada palavra-chave do texto e, ser (quatro vezes), leite (três vezes ), as quais podem ser consideradas palavras-tema. A palavra leite pode ser associada à economia ( a vaca dá o leite, mas na hora de tirar custa ) e à natureza ( o leite deveria ser verde). Os demais substantivos dessa crônica, verbos e adjetivos aparecem apenas uma ou duas vezes, servem apenas para caracterizar as palavras- tema e chave. Vale dizer, que a repetição é um elemento coesivo para dar ênfase, intensificar e uma maneira para deixar o texto fluir, mantendo o uma relação de contato com o leitor. A assonância do som da vogal a é notável em todo os textos, pois a maioria das palavras possuem um som a, aberto no seu interior.

Outra palavra que deve ser mencionada é gente. Neste texto, parece que esta palavra não tem o valor de coletivo, de nós, mas de unidade, do eu, pois a mãe do narrador repreende o seu ato, não estamos inseridos em seu contexto ( quando a gente faz a mamãe diz que porcaria!), é ele quem tem a impressão acerca dos sentimentos da vaca (Se a gente fica perto ela fica olhando com aquele olhar de que a gente fez alguma coisa com ela...)

É considerada uma crônica humorística, que possibilita além do riso, uma reflexão dos fatos corriqueiros. Um elemento da natureza tão simples, torna-se um objeto de importância social, um elo entre um pequeno brasileiro e os Estados Unidos, a comprovação da interferência cultural despercebida no nosso dia-a-dia (Estados Unidos > chiclete> vaca no Brasil), além de transmitir sentimentos e posturas, que certamente sensibilizam o leitor, o olhar magoado, o fingir que não está sentindo nada, a cara séria.

Há demarcação do tempo apenas em dois momentos do texto “ Já vi ordenhar vaca” e “as vacas vieram dos Estados Unidos”, o que serve para definir dois momentos de narração, o narrador viu a ordenha da vaca, e acredita que as vacas vieram dos Estados Unidos. Os verbos vi e vieram indicam um aspecto terminativo, conclusivo do processo. Nas demais frases, o verbo no presente descreve o processo contínuo dos fatos e uma dinâmica - tem, está fazendo, é intitulado, fica sempre, indo e vindo, dizem, ensina, só se alimenta, fica olhando, estão sempre. Neste caso, a ordem das frases não interferem na produção de significados. O escritor poderia começar com o período final, o que não afetaria a significação, mas apenas uma pressuposta intenção.

Nesse processo descritivo e narrativo, a personagem vaca se transforma ao longo do texto. É mencionada em um primeiro momento como um animal que tem o seu valor por fornecer carne, mas a seguir ganha traços humanos, pois faz de seu rabo um objeto para espantar as moscas, usa a inteligência e ao produzir o leite faz cara séria, pois o leite é muito importante do ponto de vista do narrador. Depois, a vaca é apresentada com um status social, casada, possui marido, intitulado boi. Há uma comparação entre a atitude da vaca e a do narrador, a vaca tem dois estômagos e fica com a comida indo e vindo, mas a mãe do narrador repreende-o se faz isso . Aqui, fica estabelecido que ela pode, ele não, porque há uma regra social que não aceita esse tipo de comportamento ( um pensamento cristalizado que faz sentir nojo perante o fato) . A vaca tem um valor viva, custa muito, todavia no açougue custa mais. Essa transformação de carne viva para bife parece provocar uma sensação de estranhamento no narrador, como algo vivo pode custar menos que algo morto? Parece ocorrer o mesmo, quando menciona que a professora ensina que a vaca dá leite, mas ao tirá-lo, ele percebe que custa. Ainda ocorre uma comparação por associação de comportamentos sociais entre as vacas e os americanos, pois têm a mesma maneira de mascar chiclete. O olhar da vaca se transforma, quando o narrador se aproxima, fica magoada. O narrador parece acreditar que ele é capaz de intimidá-la ao aproximar-se. Toda essa comparação que o narrador faz, esse olhar para si e olhar para o outro facilita a aprendizagem do narrador e a sua comunicação com o leitor.

No texto, a voz do narrador ora é em terceira pessoa, quando passa seus conhecimentos adquiridos por meio do discurso social, ora é em primeira, quando quer passar a sua impressão dos fatos adquiridos in loco, vivenciados em uma situação real. Em “já vi ordenhar vaca, é quando ela faz aquela cara fingindo que não está sentindo nada” , o narrador acredita saber sobre o comportamento da vaca no momento da ordenha. Quando o narrador quer opinar sobre a vaca, usa o discurso indireto-livre.

Com relação à linguagem, nota- se que há um contraste do urbano com o rural, vaca, grama, ordenha são palavras que servem para caracterizar o espaço rural, açougue, chiclete, professora são palavras que caracterizam o urbano, ocorrendo uma ampliação com as palavras Estados Unidos. De certa forma, parece ser estabelecida uma relação de hiperonímia , em que Estados Unidos são o hiperônimo, de onde as vacas vieram e vaca o hipônimo que mantém uma relação de dependência. Por sua vez, bife e leite são co-hipônimos e mantêm uma relação de dependência com vaca , açougue e custos. Percebe-se, então, que o narrador associa o ato de ruminar com o de mascar chicletes e que os Estados Unidos se impuseram culturalmente em relação ao uso de chicletes, certamente, por meio das imagens divulgadas em filmes nos cinemas e nas televisões. Outro fator interessante é que apesar da palavra chiclete ser da língua mexicana tizietti e vacca de origem latina (vacca) elas se cruzam no universo da linguagem.

A linguagem utilizada pelo narrador é culta, não apresenta erros de concordância nominal ou verbal. Em alguns momentos, utiliza-se de palavras de nível alto : intitulado e ordenhar. No segundo parágrafo, a falta de uma vírgula após a palavra vaca pode provocar ambigüidade no entendimento do texto e um certo humor, pois o leitor poderá entender como um xingamento à professora.

Verifica-se também que o narrador tem um grau de escolarização entre 3ª e 4ª séries, é uma criança com conhecimento limitado, pois se apropria do discurso adulto da mãe e da professora, manifestando a interferência cultural doméstica e escolar no seu discurso e ainda não entende o processo do metabolismo do corpo, não trabalha com a abstração, acredita que o leite deveria ser verde, porque a vaca ingeriu grama verde. Vygotsky, em Pensamento e Linguagem p. 111, comenta que para a criança a palavra é parte integrante do objeto que denota, “que é difícil para as crianças separar o nome de um objeto de seus atributos”. “De acordo com elas, um animal chama-se vaca porque tem chifres, bezerro porque os seus chifres ainda são pequenos, cão porque é pequeno e não tem chifres: um objeto chama-se carro porque não é um animal. Quando se pergunta a uma criança se seria possível trocar os nomes dos objetos- por exemplo, chamar uma vaca de tinta, e a tinta de vaca – elas respondem que não, porque a tinta é usada para escrever e a vaca dá o leite”. Com essa intertextualidade, parece ficar claro que a criança não distingue o nome do objeto.

Outra Intertextualidade, nota-se no desenho apresentado junto ao texto, quando é apresentada uma vaca atolada no brejo diante do monumento, que representa o homem em Brasília. Há uma conotação de cunho político e econômico nada favorável à situação em que se encontra a administração em Brasília. Apesar da vaquinha no desenho ser muito simpática, uma vaca no brejo significa transtornos, perigos, cansaço, malogro, falta de êxito, haja vista a expressão popular “a vaca vai pro brejo”.

Podem ser verificadas também as funções de linguagem no texto, estabelecidas por Roman Jakobson. Há a função denotativa ou referencial ( “A vaca é um bicho de quatro patas que dá carne de vaca”, “a professora ensina que ela dá leite” ), a função metalingüística , que é o próprio texto,pois explica o que é a vaca, a função emotiva, passando as emoções e sentimentos ( “a mamãe diz que porcaria!”, “aquela cara fingindo que não está sentindo nada”, “ela está muito magoada”); apelativa ( “que porcaria!”).

Enfim, são inúmeras as possibilidades de análises para a interpretação do texto, por exemplo, um economista poderia fazer um cálculo da diferença da vaca viva com a morta, um sociólogo poderia comentar sobre os interesses sociais que envolvem a política de preço da carne e do leite, um geógrafo poderia falar sobre a criação do gado bovino no Brasil, um antropólogo comentaria quando a carne bovina passou a ser consumida no Brasil... e Millôr soube muito bem jogar de maneira simples com os vários discursos sociais.

Referências Bibliográficas

ABAURRE et all. Português.Língua e Literatura.São Paulo, Ed. Moderna, 2000.

CUNHA, A . G. Dicionário Etimológico. Rio de Janeiro, Ed. Nova Fronteira, 1999.

DUBOIS et al. Diccionario de Lingüística.São Paulo, Cultrix,1993.

FÁVERO, L.L. Coesão e Coerência Textuais. São Paulo. Ed. Ática, 2000.

HOUAISS, A. Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro, Ed. Objetiva, 2001.

MIRANDA, S.DE. Escrever é divertido. Campinas, Ed. Papirus, 2003.

PASSONI, C. A . N. Fuvest 99. Literatura.São Paulo, Ed. Núcleo,1998.

ORLANDI, E. O que é lingüística.Editora Brasiliense, 1986.

SÁ, Jorge de. A Crônica.Série Princípios. São Paulo, Ed. Ática, 2001.

VYGOTSKY, L.S. Pensamento e Linguagem. São Paulo, Martins Fontes, 1991.

www.uol.com.br/millor

Crônica - Amor

ESCOLA ESTADUAL CAETANO DE CAMPOS-ACLIMAÇÃO

O AMOR

PROFESSORES :

LUCIANA OLIVEIRA

THIAGO LINO

VERA LUCIA GRANDO

ALUNOS:

JÉSSICA MENEZES

FELIPE MARTINS

VANESSA BATALHA

O AMOR PASSA DESPERCEBIDO NO MEIO DAS PESSOAS , UM SENTIMENTO PESSOAL .O AMOR É SOLIDÃO .O AMOR É NADA . O AMOR FAZ PENSAR , ÀS VEZES, SENTIMOS AMOR AO OLHAR, AO PENSAR . O AMOR BRIGA. O AMOR NÃO SABE . O AMOR ESPERA. OS OLHOS DE QUEM AMA CHORAM. O AMOR CHORA, APRESENTA-SE, IMPRESSIONA, INVENTA . O AMOR BUSCA ALGUÉM PARA ACOLHER .O AMOR É UM SENTIMENTO. O AMOR É ENTENDER. AMOR : FIDELIDADE, COMPROMISSO .O AMOR DEPENDE DO CONTEXTO, DO PONTO DE VISTA , O AMOR É ROMÂNTICO NA EUROPA. NA ÍNDIA NÃO EXISTE HISTÓRIA DE AMOR ANTIGO . O AMOR É FOGO QUE ARDE E NÃO SE VÊ . O AMOR É COMPARTILHAR O IMAGINÁRIO .AS PALAVRAS DO AMOR BUSCAM POR VOCÊ . O AMOR É UMA CONSPIRAÇÃO DE FLORISTAS BOMBONIERES E FÁBRICAS DE URSINHOS DE PELÚCIAS , É PALAVRA CANTADA . O AMOR É O TUDO E O NADA . O AMOR FALA POR SENTIMENTOS E O SENTIMOS COMO FRIO CALOR E O VENTO . O AMOR QUER SORRIR E TAMBÉM FALAR . O AMOR TEM O PODER DE EXPRESSAR. O AMOR XINGA O AMOR É O ESPELHO DE QUEM OLHAR . A MANIFESTAÇÃO DO DESEJO, O ENIGMA, A ENERGIA PURA, MANIFESTAÇÃO DO DESEJO, O AMOR TE DEIXA EM ÊXTASE E AO MESMO TEMPO TE LEVA AO INFERNO, O AMOR TE DÁ FELICIDADE ,TORTURA DURANTE AS NOITES DE INSÔNIAS E ACALENTA DURANTE OS MOMENTOS DIFÍCEIS , COMPLEMENTA A FELICIDADE . O AMOR ROUBA A CENA NAS CIDADES,FAZ CAMINHAR SOBRE O NADA, O AMOR POR SI SÓ SE BASTA.

São Paulo,15 de maio de 2010.

quarta-feira, 12 de maio de 2010

Dissertação

Material elaborado pela PROFª DRª VERA LÚCIA GRANDO

DISSERTAÇÃO

Dissertação é um tipo de texto que possibilita refletir, discutir, analisar os problemas humanos, interpretar , ordenar e explicar dados da realidade.

As características do texto dissertativo são: temático, mudanças de situação, relações lógicas ( analogia, pertinência, causalidade, coexistência , implicação, correspondência)

Fiorin, em Tipologia do Texto, SE, 1995, afirma que o texto dissertativo é temático, pois busca explicar e ordenar a realidade e por isso, trabalha com conceitos abstratos, com modelos gerais, muitas vezes abstraídos do tempo e do espaço. Alega ainda que o centro da dissertação é a explicação e a interpretação das transformações relatadas.

A dissertação pode ser redigida em 1ª pessoa do plural (nós) ou 3ª pessoa do singular ou plural. Ressaltamos que escrever em 3 ª pessoa dá um caráter de afirmação mais verdadeira que em 1ª pessoa, pois esta poderá passar ao leitor uma certa subjetividade.

Não há um limite em relação ao número de parágrafos a serem desenvolvidos em uma redação, pois depende da finalidade do texto: prova, concurso, monografia, dissertação, tese, artigo de jornal.......

A dissertação deve ser planejada com os seus parágrafos e assuntos delimitados e intitulada. Eis um exemplo:

TÍTULO ( em maiúsculo)

1º§

Afirmação e apresentação de um problema.

2º§

Desenvolvimento e análise do problema ( podem ser indicados os fatos, os fatores que causam o problema ; o local; o período dos acontecimentos; as semelhanças com outros problemas.....)

n...§

Poderão ser acrescentados mais parágrafos, caso o assunto exija mais informações, enumerações, comparações , relações de igualdade,de superioridade, de inferioridade, diferentes, antagônicas...

Último §

Conclusão da análise desenvolvida nos parágrafos anteriores.

ALGUMAS POSSIBILIDADES PARA INÍCIO , DESENVOLVIMENTO E CONCLUSÃO

I-Possibilidades para se começar a abordar um problema:

AFIRMAÇÃO

X

PROBLEMA

1- O Brasil é ..........................................................Essas são algumas das afirmações freqüentemente ouvidas a respeito de..................................................Serâo exatas?

2- É verdade que.......................................................................... como afirmam muitas pessoas?

3- Fala-se muito, atualmente, que................................................................................A questão está colocada..............................................................................

4- Algumas pessoas afirmam que seria melhor que .......................... Colocam assim, o problema de............................................................................................

5- Em um estudo dedicado ao ........................................................ afirma que................................................ Podemos aceitar tais conclusões?

Fato ou declaração

6- Há alguns dias...................................................

7- Há algum tempo.................................................

8- Por causa de.......................................................................

9- Os recentes acontecimentos de................... evidenciaram........................................

10- Em um recente estudo ( livro, revista) sobre.........................afirma que....................

11- Alguma pessoas afirmam que seria.............

Problema

12- Este ................. evidencia o problema de................................

13- A questão de ............................ está novamente em evidência..........

14- É certo que..........................................................................

15- É verdade que.........................................................................

16- Pode-se aceitar que.................................................................

17- Será a melhor solução............................................................

18- Pensa-se assim resolver o problema de.................................

2- Possibilidades para se desenvolver a análise de um problema

1- É preciso, em primeiro lugar, lembrar.................................

2- É preciso, inicialmente, analisar.......................

3- É preciso, antes de tudo, observar.............................

4- É preciso considerar............................................

5- A primeira observação se refere a................................

6- Tratemos rapidamente o problema de..............................

7- Analisemos a questão de..................................................................................

8- Deve-se analisar, em primeiro lugar.......................

9- Iniciemos a análise observando...............................

10- Analisemos, em primeiro lugar....................................

III- Possibilidades para se insistir no problema:

1-Não podemos esquecer que............................

2-É necessário frisar, por outro lado, que.............

3- É preciso insistir também no fato de que........

4-Não se pode esquecer que.......................................

5- È necessário frisar também que................

6- Nota-se, por outro lado, que.................

7- Observa-se também que...................

8- É fundamental observar que......................

9- É imprescindível insistir no fato de que.............

10- Não se pode esquecer que...........

11-Lembremos também que...................

IV- Possibilidades para enumerar argumentos:

1- Em primeiro lugar......

2- Em segundo lugar......

3- Em terceiro lugar.....

4- Ainda....

5- Em seguida....

6- Além disso....

7- Além do mais...

8-Enfim...

9- Em último lugar...

10-Finalmente...

11-Inicialmente...

12-Deve-se acrescentar...

13- Por outro lado...

14- Paralelamente...

15-Se acrescentarmos ainda...

V- Possibilidades para transmitir oposição a uma afirmação ou interpretação:

1- Substantivos: contraste, objeção, antagonismo, reação, resistência, rejeição, oposição, impedimento, empecilho, animosidae, contrariedade, obstáculo, etc.

2- Adjetivos: contrário, oposto, antagônico, etc.

3- Verbos:objetar, impedir, contrariar, defrontar-se com, ir de encontro a, embargar, obstar, contrastar, etc.

4- Locuções e preposições: apesar de, a despeito de, não obstante, pelo contrário, malgrado, em contraste com, contra, etc.

5- Conjunções adversativas: mas, porém, contudo, todavia, entretanto, no entanto, senão, etc.

6- Conjunções concessivas: embora, apesar de que, se bem que, ainda que, posto que, conquanto que, em que pese, muito embora, mesmo que, enquanto, ao passo que, etc.

VI- Possibilidades para se concluir uma análise:

1- Conseqüentemente...................................

2- Por isso................................................

3- Assim ..............................................................

4- Nesse sentido..........................................................

5- Em suma ......................................................................

6- Definitivamente.......................................................................

( Itens extraídos do livro de Hermínio Sargentim, Dissertação. IBEP)

quarta-feira, 28 de abril de 2010

Material para estudos e avaliações


MATÉRIA DE AULA PARA ALUNOS DO CAETANO:1A, 1D,1F,1G, 2D,2E, 2F.

ORGANOGRAMA

Material produzido pela Professora Vera Lúcia Grando

LITERATURA EM PORTUGAL: INÍCIOS – Páginas de 510 a 519 do livro didático





Página 521 do livro didático





Observação: Para todos os alunos ( primeiros e segundos anos da Profª Vera)

P. 522 e 523

1-Elabore um organograma das páginas acima.

P.524 a 528

2- Em qual outro texto além de Camões, do Renascimento/Classicismo, há a narração sobre Inês de Castro?

3- Faça uma descrição da personagem D. Pedro (1320-1367) utilizando-se das sensações táteis,auditivas,olfativas,visuais e gustativas.

III- Leia as páginas 310 a 313. ( só para os alunos de segundos anos da profª Vera)

Faça as atividades das páginas 313 e 314.

REFERÊNCIA

FARACO,C.A. Português.Ensino Médio. Volume Único. Brasília,FNDE-MEC,2009.







sexta-feira, 23 de abril de 2010

Abolição

Reflexões sobre o Léxico de Abolição

Vera Lúcia Grando

Drº. em Lingüística pela USP.Professora na UNISANTOS, na UNICLAR, no IEPAC e na Rede Estadual de Ensino.

Maria Aparecida de Souza Krusique

Mestra em Lingüística pela USP. Diretora da E.E.Profa.” Ilka J. Germano”

Nestes 500 anos de Brasil , período de reflexões sobre os fatos ocorridos que nos legaram a cultura atual, é de grande valia fazer algumas considerações gerais sobre o negro escravo e o liberto.

1 - ABOLIÇÃO

Já , bem antes de 1888, ano da abolição, abriam-se no país novas perspectivas para o capital. Investir em mercadorias tipo escravo significava mau negócio, pois essa se
depreciava a olhos vistos e estava condenada a desaparecer.

A mentalidade dos fazendeiros das zonas mais dinâmicas se modificava. Não queriam mais comprar escravos, mas livrar-se deles. Esses fazendeiros eram pessoas , que por motivo de comércio ou outros já estavam integrados à vida citadina, o que prova ser o movimento abolicionista essencialmente urbano se expandindo para o campo a fim de quebrar a resistência dos ruralistas ao movimento, para com isto se conseguir a reforma desejada.

Os conflitos de abolicionistas com os mais tradicionais fazendeiros que ainda resistiam a idéia de libertação aos negros acabou, quando a igreja se manifestou oficialmente em defesa dos cativos e por uma representação dirigida à Princesa pelo Clube Militar solicitando que os destacamentos do exército fossem dispensados de capturar os negros fugidos, esses fatos contribuíram de maneira decisiva para que fosse posta em lei a extinção imediata e incondicional da escravidão.

2 – NEGROS NA CIDADE

A liberdade provoca o êxodo total do negro do campo para a cidade sem estarem preparados para enfrentar o trabalho nas indústrias e comércio, não se adaptaram, de


imediato, às exigências do novo tipo de vida, foram então se amotinando nos arredores da cidade dando origem aos mocambos e favelas, acostumaram-se aos vícios da vadiagem e do alcoolismo, tornando-se marginais da sociedade.

A abolição que antes era um tráfico de luta pela igualdade e liberdade para o negro, tornou-se o tráfico da pobreza sem futuro e sem dia seguinte. Não tinham defesa jurídica, social e econômica, pois o movimento abolicionista extinguiu-se com a própria abolição. A liberdade nesta fase assumiu o papel mais degradante possível dentro da escala social.

3 – O NEGRO NAS ARTES

No decorrer destes 112 anos de abolição, recebemos, através da história, informações sobre os costumes de diferentes tribos negreiras, descrições sobre ritos e cultos religiosos, contribuição do negro na culinária brasileira, na dança e que enriqueceu de muito o folclore, não menos deixaram de ter influência em outros setores das artes e das ciências.

O negro, mulato e mestiços não deixaram de se apresentar como grandes poetas e literatos nesse período, colaborando com a formação da cultura brasileira.Atualmente ainda tentam através das artes, conquistar o sentido de liberdade real com o resgate do sema “igualdade” num processo de superação da cor e pobreza do Negro.

Nos dias de hoje, já existe um vastíssimo elenco de negros que são cabeças atuantes nas diversas modalidades do setor artístico e esportivo, apesar de ainda serem poucas as notícias de Negros atuando substancialmente em outros setores da sociedade, ou seja: Educação, Saúde, Política, Força Armadas, Igreja e outros.

4- PRECONCEITO RACIAL E PERDA DE IDENTIDADE

A leitura de livros e de muitas revistas especializadas trazem artigos cujos depoimentos de Negros dos vários segmentos da sociedade, comentam e refletem sobre o seu maior impedimento na relação Branco e Negro sob a égide propagandista da ‘igualdade”que traz no seu bojo o preconceito racial , pedra irremovível instaurada no caminho à liberdade.

REFLEXÕES SOBRE O LÉXICO DE ABOLIÇÃO

Nestes 112 anos da abolição, a idéia da democracia racial ganhou ares de verdade incontestável, levando a sociedade brasileira a sentir-se isenta de pensar no problema étnico, uma vez que há igualdade para todos não há necessidade de fixar regras, o que desmobilizou o negro de suas ações em prol da liberdade para se organizarem e terem garantido o seu próprio pensamento.

A catástrofe disso tudo é que o Negro , no Brasil, ainda luta para conseguir sua identidade, arma importante no combate ao racismo.

A exemplo de outros países como Estados Unidos e África do Sul, onde o racismo é mais franco e totalmente aberto e que dá condições aos negros de se defenderem e lutarem contra a discriminação, o Brasil mostra ao contrário o racismo de forma implícita, onde não existe conflito aberto, é maior a dificuldade para que a discriminação seja superada.

No Brasil, quando por acaso, o negro sobe na escala social perde a sua identidade, a própria classe média negra passa a renegar a sua origem para adotar os padrões do branco, mesmo que isso acabe se revelando uma ilusão.

2000, a lideranças negras ainda estão preocupadas em conscientizar os próprios negros da importância de sua identidade, e como conseguir isto? O Negro precisa mostrar o que ele é , o que sente e o que quer, para ser respeitado pelo Branco do Brasil, caso contrário, continuarão aceitando e vivendo neste racismo difuso e mascarado que determinam as regras do jogo vigentes, cuja maior força racista é dizer que não é racista.

A propósito mencionemos o dizer do professor e lingüista francês Jacques Vigueror: “a linguagem é identidade e resistência. A palavra situa o homem entre o alfa e o ômega, entre o início e o fim. A escravidão destruiu a linguagem, fez do negro um filho de ninguém. É preciso resgatar essa identidade.”

PROCEDIMENTOS

Sem nehuma pretensão de esgotar o assunto tentaremos analisar o texto jornalístico intitulado “ O exemplo de Cruz e Souza” de Jorge Konder Bornhausen – Folha de São Paulo – 13/05/88.

Procuraremos nos basear em leituras tais como:

“O léxico da simpatia” de Mário Vilela , que desenvolve um modelo de análise semântica numa perspectiva sincrônica e diacrônica da palavra simpatia num período de 50 anos expondo a relação de significado e significante, cada vez que “simpatia” muda de sentido de acordo com a época, o texto e contexto que a insere. Mostra também a relação de polissemia, homonímia, sinonímia, antonímia, hiperonímia e hiponímia correlacionadas com seus co-hipônimos numa visão ampla , do ponto de vista, diafásico e sinfásico.

“História e lingüística” de Regine Robin nos deu parâmetros seguros para através de seu método, trabalharmos o texto tendo como base as palavras- tema, palavra- chave e palavras de caracterização.

Robin baseou-se nas definições de P. Guiraud, que definiu palavras- tema como as que representam 9% do discurso. Geralmente são encontradas em todas as frases. E é em torno delas que o pensamento se organiza; é quase impossível exprimir uma idéia sem recorrer a elas. Palavras de caracterização são as que possuem baixa freqüência e de grande restrição de sentido, sendo portanto muito precisas. Robin discorda da definição de palavra – chave dada por Guiraud, pois, considera que essa definição coloca problemas; para ele, palavra – chave é qualquer palavra que num corpus composto de subconjunto; é característica de um ou vários subconjuntos.

“Servimo-nos de livros de história de conceituados autores, dentre eles : Sérgio Buarque de Holanda, Emília Viotti da Costa, Lilia Moritz Schwarcz e outros, leituras estas que nos mostraram a caminhada do Negro desde a 2a metade do século XVI até um pouco além de 1888; a partir daí passamos a tomar conhecimento da trajetória do Negro até 1988, com leituras de revistas especializadas, pesquisas fornecidas pelo IBGE, relatórios provindos da própria comunidade negra repassados à sociedade, através de simpósios, jornais e televisão .

Levantou-se o total de palavras encontradas no texto. Dentre todas as classes, tomaram-se os substantivos contando as ocorrências de repetições e a de não repetições. Calcularam-se as percentagens de substantivos no total do texto; de substantivos de

repetições no total do texto; de substantivos excluídos nas repetições no total do texto. Em um segundo momento foram calculadas as porcentagens de substantivos de repetições no total de substantivos e de substantivos excluídas as repetições no total de substantivos.

Numa segunda etapa, tomando-se pausadamente os substantivos encontraram-se as palavras- chave, palavras-tema e palavras de caracterização , que posteriormente, foram empregadas numa relação de hiponímia.

A palavra chave é o hiperônimo, as palavras-tema são os co- hipônimos e as de caracterização são utilizadas para fazer parte do conjunto semêmico de cada co-hipônimo. Estabeleceram- se os conjuntos e analisaram-se as intersecções entre eles tendo um núcleo comum.

Como objeto de nossa análise, destacamos do texto a palavra “abolição” por ser mais abrangente e embora possa ter vários significados, ela sempre nos remeterá , em nosso contexto social, para a abolição da escravatura.

Foi feito um levantamento dos vocábulos considerando-se os sentidos conotativos, denotativos, os quais foram colocados numa tábua sêmica.

RESULTADOS

No texto, encontram-se 559 palavras com um total de 149 substantivos, dos quais há cinqüenta ocorrências de substantivos de repetição e 99 ocorrências de substantivos sem repetição.

A porcentagem dos substantivos no total do texto é de 26,65% .

A porcentagem dos substantivos de repetição no total do texto é de 8,94%.

A porcentagem de substantivos sem repetição no total do texto é de 17,71%.

A porcentagem de ocorrências de substantivos sem repetição do total de substantivos é de 66,44%.

A porcentagem de substantivos de repetição do total de substantivos é de 33,56%.

O corpus apresenta, dentre os substantivos, palavras-tema, com a porcentagem de 11,98% do discurso, escravo com uma freqüência de cinco vezes cada ; abolição, ascensão, base, Brasil, brasileiros, caminho, descendente, domínio, economia, elemento, esteios, formação, letras, oportunidades, papel, e trabalho, com freqüência de duas vezes cada.

Apresenta, também, palavras de caracterização, com uma freqüência no discurso: agro-indústria, América, anos, assistência, braço, café, campos, capital, centenário, cidadania, cidadãos, colônia, construção, contingentes, contribuição, costumes, crenças, crianças, desenvolvimento, Desterro, dificuldades, distorção, dívida, empenho, ensino, escola, escolar, escravatura, espanto, exemplos, fato, figuras, filhos, forço, função, gênio, glórias, igualdade, inteligência, meios, mestiços, Minas Gerais, música, nacionalidade, oferta, ouro, passado, população, posição, prática, preconceito, problemas, quadro, qualidade, raças, rumo, reflexão, regras, Rio de Janeiro, Santa Catarina, Sensibilidade, sociedade, talento, termos, terra, usos, Vale do Paraíba, vida, e virtude.

A palavra chave encontrada dentro do corpus é “negro”, com uma freqüência diferençada das demais : seis vezes.

Em uma relação de hiperonímia, a palavra negro contém as palavras –tema e de caracterização. As palavras- tema contém as palavras de caracterização.

O texto não possui um núcleo comum entre as palavras-tema. Há um conjunto intersecção vazio.

Esse resultado deixa algo a desejar, quanto ao processo de execução do texto, porque existem nele subconjuntos que se relacionam entre si paradigmaticamente, mas não no conjunto do texto.

Parece ocorrer uma anulação dos temas abordados pelo autor, porque há uma abundância de termos genéricos, sem haver uma delimitação do assunto.

Esse vago reflete esses cem anos de abolição: o desinteresse dos vários segmentos sociais brasileiros em relação à problemática do negro, que foi motivo para a Abolição, a fim de resolver problemas de interesse da sociedade, num dado momento da história Política, Econômica e Social do país.

Segunda Análise

O enunciador do texto em análise é Jorge K. Bornhausen que tem como enunciatário o leitor, o assunto da comunicação entre eu/tu é o hiperônimo abolição correspondente a ELE no eixo de comunicação. Hiperônimo este, que no texto em voga se relaciona diretamente com Negro que passa ser seu co-hipônimo, pois abolição contém semas que legitimam Negro em toda sua extensão gramatical e cultural.

Numa segunda instância , Negro torna-se hipônimo, por ser abrangente em relação a seu- co-hipônimo escravo que contém semas de trabalho, tal como, se lê no 2o parágrafo “... o trabalho escravo se criou e se consolidou a primeira base econômica em que assentou a colônia portuguesa na América: a agro- indústria do açúcar..., o ciclo do ouro nas Minas Gerais,... o do café, no Vale do Paraíba”.

O 3o parágrafo nos fez retomar o hipônimo Negro, já com a exposição de outros semas que integram a cultura brasileira são eles: talento, empenho, arte, costumes, usos, crenças, letras. Ainda, neste parágrafo parece haver um acordar do enunciador para o enunciatário através do co-hipônimo <> que nucleia duas forças de um só hipônimo, que é o Negro enquanto escravo e símbolo de mão- de- obra e o Negro talentoso, que se distingue e impõe sua marca na vida intelectual do país.

O enunciatário pelas peculiaridades específicas deste 4o parágrafo, assume o papel de personagem principal do texto para revelar e quem sabe, até justificar a sua partipação direta na história, a fim de legitimar sua presença nos 100 anos da abolição, espaço este do discurso que ocupa como personagem e muito menos como autor-enunciatário, no sentido de jogar com forte emoção ao falar do hipônimo Cruz e Souza que elimina abolição através do co-hipônimo “poeta simbolista da literatura brasileira”, sintetizando aí a superação dos demais co- hipônimos: talento, inteligência, igualdade, preconceito e identidade.

A indagação do enunciador explícita no 5o parágrafo parece ser um instrumento de persuasão para levar o leitor a repensar a situação do negro neste país, e para isto relega o Negro à sua condição mais inferior na escala social, apontando que mesmo pelo talento, empenho e arte muitos Negros não conseguem a ascensão nos diversos ramos da cultura . Convém ressaltar que a impressão que temos é que ascensão social para Bornhausen é apenas uma máscara que serve para encobrir o impedimento à ascensão econômica do negro.

O enunciador no 6o parágrafo parece querer chamar a atenção do leitor para o seguinte: se no parágrafo anterior o Negro encontra dificuldades para sobressair ,contando com o seu talento , desempenho e arte, força raramente invencível, e de difícil controle externo por se tratar de fatores prévios da intersujetividade do Eu, por outro lado o Negro está totalmente impedido de ascender socialmente , porque ele é combatido diretamente pela própria sociedade através do forte preconceito racial que ela traz encrustada na sua imanência. Ainda neste parágrafo os mecanismos da discriminação são dissimulados quando o enunciador sugere que melhores condições de ensino e assistência ao escolar proveniente de meios materialmente carentes seria a solução, pois é de praxe no país, jogar para a Educação todos os fracassos advindos dos órgãos governamentais e das classes privilegiadas, que se negam a implantar e executar um programa de ação total para erradicar o preconceito da cor e da pobreza.

No 7o e último parágrafo, o enunciador convida a sociedade via leitor a “a resgatar a dívida social com a população brasileira de origem africana”, dando desta forma aos Negros chance para a conquista da cidadania plena, para isto, são necessárias propostas de mecanismos que levam à transformação da própria sociedade.


ESQUEMAS

Na tentativa de sermos mais claros, procuraremos discorrer um pouco mais sobre as palavras e as relações de hiperonímia já mencionadas, através dos esquemas apresentados.

Nos esquemas, há relações de hiperonímia estabelecidas, onde o significado e o significante se interagem .


I-

ABOLIÇÃO


NEGRO




A palavra Abolição da forma que aparece no esquema I é um hiperônimo, abrange um número maior de semas, produzindo de maneira extensiva interpretações diversas. Seu hipônimo é a palavra negro , contida dentro de todo o contexto de abolição , é específica , porque possui um número menor de semas e realça abolição a partir de 1888 no Brasil ,tendo como característica um sema marcado em comum: escravos.

II- NEGRO

DESENVOLVIMENTO

ASCENSÃO


PRECONCEITO


IGUALDADE


RESGATAR TALENTO



No esquema II, a palavra negro é um hiperônimo e seus co- hipônimos são: espanto, desenvolvimento, ascensão, preconceito, igualdade, resgatar e talento. A palavra negro se torna mais extensiva, visto que, seus co- hipônimos possuem semas comuns. A palavra negro aparece no texto ligada à palavra desenvolvimento, porque ele serviu de trabalho braçal nos ciclos de cana-de-açúcar, do ouro e da produção cafeeira no Estado de São Paulo e outros locais do Brasil, à palavra espanto por existir o preconceito negativo quanto ao seu talento, à sua igualdade, à sua ascensão nos domínios da cultura. Discursa-se em resgatar a dívida social com a população brasileira de origem africana, mas não se apresentam propostas viáveis de como resgata-la.

Para Ecléa Bosi, quando o espanto ocorre há toda uma transformação, uma superação de um preconceito, o que possibilita uma igualdade social, por isso no texto o autor diz que causa espanto o fato extraordinário - ascensão de negros e mestiços nos diversos domínios da cultura.

III-

NEGRO


CRUZ E SOUSA



Esquema III, Negro é um hiperônimo e Cruz e Sousa , seu hipônimo.

Cruz e Sousa é o exemplo dado no texto, haja vista o seu título. “Ele” é um símbolo, um modelo de vida para os negros que querem ascender na escala social, deixou uma ideologia carregada de um esteriótipo, fazendo com que aqueles que o imitam , criem seu próprio conceito de superação, desfavorecendo todo o seu grupo, porque sabe-se que as oportunidades são restritas e somente uma força muito grande de luta possibilita o indivíduo a crescer e chegar à superação.

Conclui-se, então, que somente alguns conseguem cavar as oportunidades através da sua força mental, de sua reflexão perante a vida.

Cruz e Sousa

IV

Superação

Talento


Poesia


A palavra Cruz e Sousa, no esquema IV é um hiperônimo. Superação, talento e poesia são seus co-hipônimos.

Cruz e Souza consegue sua superação, porque domina a língua padrão: criador de poesia simbolista, onde os símbolos acústicos e pictóricos se interagem , formando uma linguagem própria dele. Através dela, consegue passar por vários universos de discursos . Seu discurso desloca-se da cidade de Desterro, onde nasceu para o universo de Santa Catarina, que é ampliado para o território brasileiro e internacional.

Sua linguagem causa espanto, quebra preconceitos e torna-se símbolo ideológico.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ARRIVÉ, Michel. Ensaios de Semiótica Poética. São Paulo. Editora Cultrix,/ EDUSP 1975.

BARBOSA,Maria Aparecida. Língua e Discurso. São Paulo, Editora Global, 1981.

BONNAFUS, Simone. Lê Congres de Metz.(1979) du partu socialiste. Processus discursifs et structures lexicales à travers lês motions Meterrand, Rocard etc.

BOSI, Ecléa. A opinião e o Esteriótipo. In Revista Contexto, n . 2, março, 1987.

CADERNOS DO TERCEIRO MUNDO. Abolição- O Racismo Envergonhado, n. 110, ano XI, Maio, 1988.

CÂNDIDO FILHO, Jucá . Dicionário Escolar das Dificuldades da Língua Portuguesa. FENAME- MEC, 1963.

COSTA, Emília Viotti da . Da Senzala à Colônia. São Paulo, Difusão Européia do Livro, 1966.

CUNHA, Antônio Geraldo da. Dicionário Etimológico Nova Fronteira da Língua Portuguesa. 2. ed. Editora Nova Fronteira, s.d.

FERNANDES, Francisco. Dicionário de Sinônimos e Antônimos da Língua Portuguesa. 2. ed., Porto Alegre, Editora Globo, 1970.

FERREIRA, Aurélio.B. de H. Pequeno Dicionário da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro, Editora Civilização Brasileira S. A., 1983.

GRANDO, Vera Lúcia . A Palavra Dívida : Relações Semânticas. Tese de Doutorado. São Paulo, USP, 1995.

HOLANDA, Sérgio B. de. História Geral da Civilização Brasileira. São Paulo, DIFEL, 1974.

_________________. Raízes do Brasil. Rio de Janeiro, Livraria Olympio Editora S.A. , 1977.

IBEP. Dicionário Escolar da Língua Portuguesa Ilustrado. 3.ed. , 1970-71.

LYONS, John. Introdução à Lingüística Teórica. São Paulo, EDUSP/ Editora Nacional, 1979.

PESQUISAS DE CONHECER. Cultura e Arte, n.7, São Paulo, Círculo do Livro S. A ., 1983.

PICOCHE, Jacqueline. Précis de Lexicologie Française: Lo ‘etude et é enseignement

du vocabulaire. Université information, formation, Editions Nathan, 1977.

REVISTA BRASILEIRA DE TECNOLOGIA. Escravismo: O ano da Revisão.Vol.19, n.5, MCT-CNPq, maio, 1988.

REVISTA MANCHETE. Escravidão: Morte e (pouca) vida na senzala. n. 1989, Rio de Janeiro, julho, 1988.

REVISTA VEJA. Negros, centenário de um mau século.n. 19, ano 20, São Paulo, Editora Abril, maio, 1988.

ROBIN, Régine. História e Lingüística. São Paulo, Editora Cultrix, 1977.

SCHWARCZ, Lilia Moritz. Retrato: Branco e Negro. Editora Schawarcz Ltda., 1987.

TUTESCU, Mariana. Études Linguistiques XIX. Précis de Sémantique Française. Librarie C. Klinchsiech, 1975.

VERÓN, Eliseo. A Produção de Sentido. São Paulo, EDUSP/CULTRIX , 1980.

VILELA, Mario. O Léxico da Simpatia. Porto, Instituto Nacional de Investigação Científica, 1980.


Jorge Konder Bornhausen

O exemplo de Cruz e Sousa

Quando o Brasil comemora 100 anos da abolição da escravatura é oportuna uma reflexão sobre a contribuição do negro à formação da nacionalidade, bem como a respeito das condições em que se encontram os descendentes dos antigos escravos.

É hoje reconhecido por todos o papel fundamental que representaram os contingentes trazidos `força para a construção da economia brasileira e o desenvolvimento do país. É sabido que foi sobre o trabalho escravo que se criou e se consolidou a primeira base econômica em que assentou a colônia portuguesa na América: A agro- indústria do açúcar, até hoje um dos esteios das região nordestina. Ao ciclo do açúcar sucedeu, sem extingui-lo, o ciclo do ouro nas Minas Gerais, sempre amparado no braço escravo do negro africano. Até que surgisse um novo ciclo econômico, o do café, no vale do Paraíba, igualmente tendo por base o trabalho do negro.

Como se não bastasse esse papel de esteio da economia, os negros do Brasil contribuíram, com o seu talento, com o seu empenho e arte, para a formação da cultura nacional, quer nos costumes e usos, quer nos campos das artes e das letras. E causa espanto,sem dúvida, o fato extraordinário que significa a ascenção de tantos negros e mestiços, por vezes filhos de escravos,como figuras notáveis nos diversos domínios da cultura. Nas artes plásticas, na literatura, na música, o elemento negro distinguiu-se e impôs a sua marca na vida intelectual do país.

E aqui quero prestar homenagem a um grande poeta negro nascido e criado em Santa Catarina e que se tornou uma das maiores glórias das letras pátrias: João da Cruz e Sousa.Vale recordar que o gênio de Cruz e Sousa já se havia revelado em sua própria terra, na antiga Desterro , não obstante o meio acanhado e provinciano que então representava a capital catarinense. Isto é, o valor do poeta, em termos de sensibilidade artística e inteligência, foi capaz de sobrepôr-se a todas as dificuldades, até levá -lo à posição , já no Rio de Janeiro, de maior poeta simbolista da literatura brasileira universal.

O caso de Cruz e Sousa nos leva a meditar sobre o problema social do negro em nosso país. É certo que os descendentes de escravos tiveram de partir de condições muito adversas e penosas, colocados no nível mais baixo da escala social. Não desfrutaram das mesmas oportunidades que tiveram brasileiros de outras origens étnicas. Nestas condições, quantos Cruz e Sousa deixaram de abrir o seu caminho e emergir nos diversos ramos da cultura brasileira?

Na prática, o elemento negro sofre menos em função do preconceito racial propriamente dito do que em virtude do baixo nível de vida herdado do passado.No centenário da abolição cumpre-nos a todos nós, brasileiros de todas as raças, tentar corrigir esta distorção procurando propiciar igualdade de oportunidades a todos os cidadãos, o que a meu ver, deve começar pela oferta de ensino fundamental da melhor qualidade possível a todas as crianças, acompanhada da necessária assistência ao escolar proveniente de meios economicamente carentes.

Resgatar a dívida social com a população brasileira de origem africana é trabalhar para abrir a todos os caminhos de ascensão ao nível da cidadania plena, no quadro de uma sociedade liberal e progressista.

Trabalho publicado na Revista da Uniclar, maio de 2001, Ano III, número 1, ISSN 1517-2546.