sábado, 24 de agosto de 2013

Pandora citada em Memórias P.B.C

Pandora

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Pandore, par Jules Joseph Lefebvre, 1882, collection privée
Na mitologia grega, Pandora (do grego: Πανδώρα, "a que tudo dá", "a que possui tudo", "a que tudo tira",1 2 ) foi a primeira mulher, criada por Zeus como punição aos homens pela ousadia do Titã Prometeu de roubar do Olimpo o segredo do fogo para dar aos homens.

Origem[editar]

Foi a primeira mulher que existiu, criada por Hefesto (deus do fogo, dos metais e da metalurgia) e Atena (deusa da estratégia em guerra, da civilização, da sabedoria, da arte, da justiça e da habilidade) auxiliados por todos os deuses e sob as ordens de Zeus. Cada um lhe deu uma qualidade. Recebeu de um a graça, de outro a beleza, de outros a persuasão, a inteligência, a paciência, a meiguice, a habilidade na dança e nos trabalhos manuais. Hermes, porém, pôs no seu coração a traição e a mentira. Feita à semelhança das deusas imortais, destinou-a Zeus à espécie humana, como punição por terem os homens recebido de Prometeu o fogo divino. Foi enviada a Epimeteu, a quem Prometeu recomendara que não recebesse nenhum presente dos deuses. Vendo-lhe a radiante beleza, Epimeteu esqueceu quanto lhe fora dito pelo irmão e a tomou como esposa.
Epimeteu tinha em seu poder a Caixa de Pandora que outrora lhe haviam dado os deuses, que continha todos os males. Avisou a mulher que não a abrisse. Pandora não resistiu à curiosidade. Abriu-a e os males escaparam. Por mais depressa que providenciasse fechá-la, somente conservou um único bem, a esperança. E dali em diante, foram os homens afligidos por todos os males.
Hesíodo conta duas vezes o mito de Pandora; na Teogonia não lhe dá nome, mas diz (590-93)3 :
Dela vem a raça das mulheres e do gênero feminino:
dela vem a corrida mortal das mulheres
que trazem problemas aos homens mortais entre os quais vivem,
nunca companheiras na pobreza odiosa, mas apenas na riqueza.
Hesíodo segue lamentando que aqueles que tentam evitar o mal das mulheres evitando o casamento não se sairão melhor (604–7):
Ele chega à velhice mortal sem ninguém para cuidar de seus anos,
e, embora, pelo menos, não sinta falta de meios de subsistência enquanto ele vive,
ainda, quando ele está morto, seus parentes dividem suas posses entre eles.
Hesíodo admite que, ocasionalmente, um homem encontra uma mulher boa, mas ainda assim o "mal rivaliza com o bem."
Em Os trabalhos e os dias (60-105) Hesíodo reconta o mito, desta vez chamando de Pandora a primeira mulher4 .
Nesta versão também, por ordem de Zeus, Hefesto molda em barro uma adorável moça, Atena lhe ensina as artes da tecelagem, Afrodite a embeleza, e Hermes lhe dá "uma mente despudorada e uma natureza enganosa" (67-8). As Cárites e as Horas a adornaram, e por fim Hermes lhe deu a voz e um nome, Pandora, porque "todos os que habitam o Olimpo lhe deram um presente, uma praga para aqueles que comem pão" (81-2). E Hermes a leva a Epimeteu, que a recebe. O mal (doenças e trabalho) começa quando Pandora abre o jarro5 (pithos) (não caixa, esta uma corrupção textual posterior6 ) e pragas incontáveis saem dele. Só a esperança não sai do jarro.
      • (jun/2012) — Checar, na mesma referência (Hesíodo. Os trabalhos e os dias. ed. Iluminuras, págs.74/75), as possibilidades de tradução para o que resta no jarro, não só como 'esperança', mas como 'expectação, espera', num sentido mais próximo talvez do que seria ainda um dos tantos males ali colocados.***

Interpretação[editar]

A inversão do mito[editar]

Jane Ellen Harrison, estudando a cerâmica grega sugere que houve antes de Hesíodo outra versão do mito de Pandora.
Uma ânfora do séc. V a.C.,7 mostra Pandora subindo da terra (anodos) na presença de Hefesto, Hermes e Zeus. Essa representação era comum para a deusa da terra (como Gaia ou outra de suas formas).
"Pandora é, no ritual e na mitologia matriarcal, a terra como Kore, mas na mitologia patriarcal de Hesíodo sua grande figura é estranhamente transformada e diminuída."8 .
Num profundo estudo sobre a transformação do mito, Dora e Erwin Panofsky levantam todas as referências literárias e iconográficas sobre ele9 . Entre os romanos nunca foi muito citado, desapareceu na Idade Média, e só ressurgiu na Renascença, na França.

Referências

  1. Lidell, H. G., , Scott, R. A Greek-English Lexicon. Pandora, p. 1091
  2. Pucci, P. Hesiod and the language of poetry, p. 96
  3. Hesiod Theogony - Theoi
  4. Hesiod Works and Days in Theoi Greek Mythology
  5. Verdenius, W. J. A comentary on Hesiod: Hesíodo não conta de onde veio o jarro, talvez na época fosse conhecido um mito sobre o jarro que Prometeu roubara de Zeus e escondera.
  6. Jane Ellen Harrison, escreveu em "Pandora's Box" The Journal of Hellenic Studies 20 (1900: 99–114) que Erasmo de Roterdã, ao traduzir Hesíodo, confundiu a palavra grega pithos com a similar latina para caixa.
  7. Ânfora no Ashmolean Museum, Oxford, Grã-Bretanha - Theoi
  8. Jane Ellen Harrison, Prolegomena to the study of greek religion, pág. 284
  9. Panofsky, Dora e Erwin. A caixa de Pandora - As transformações de um símbolo mítico, Companhia das Letras

Bibliografia[editar]

O Commons possui uma categoria com multimídias sobre Pandora

sexta-feira, 23 de agosto de 2013

Sthendhal, Sterne, Xavier de Maistre

A crise do narrador: considerações em torno do romance Memórias Póstumas de Brás Cubas, de Machado de Assis.
Por Anamélia Dantas Maciel

RESUMO: Este estudo pretende analisar aspectos da crise do narrador enfocando o romance Memórias Póstumas de Brás Cubas, de Machado de Assis, tomando como base a posição crítica de Theodor Adorno em "Notas de Literatura I";Antonio Cândido em "À Roda do Quarto e da Vida"; Walter Benjamin em "O Narrador", in: Magia e Técnica, arte e política: ensaios sobre a literatura e história da cultura. Obras lançadas à luz entre os séculos XVIII e XX por autores como Sterne, Xavier de Maistre, Stendhal, Marcel Proust, são também alvo desta pesquisa, pela contribuição e intertextualidade que possam apresentar em relação ao referido romance.
PALAVRAS-CHAVE: narrador, crise, intertextualidade

ABSTRACT: This work intends to analyze the aspects of crisis of the narrator, focusing the romance Memórias Póstumas de Brás Cubas, of Machado de Assis, taking as ground the critic position of Theodor Adorno in "Notas de Literatura I"; Antonio Cândido in "À Roda do Quarto e da Vida"; Walter Benjamin in "O Narrador", in: Magia e Técnica , arte e política: ensaios sobre a literatura e história da cultura. Works published between the centuries XVII and XX, by authors like Sterne, Xavier de Maistre, Stendhal, Marcel Proust are also the point of this research because of the contribution and intertextuality related whit this romance.

KEY-WORKS: narrator, crisis, intertextuality
***
INTRODUÇÃO
A intenção deste estudo é analisar aspectos da crise do narrador enfocando o romance Memórias Póstumas de Brás Cubas, de Machado de Assis, tomando como base a posição crítica de Theodor Adorno em "Notas de Literatura I", 2003; Antonio Cândido em "À Roda do Quarto e da Vida"; Walter Benjamin em "O Narrador" in: Magia e Técnica, arte e política: ensaios sobre a literatura e história da cultura.

Obras lançadas à luz entre os séculos XVIII e XX por autores como Sterne, Xavier de Maistre, Stendhal, Marcel Proust, são também alvo desta pesquisa, pela contribuição e intertextualidade que possam apresentar em relação ao referido romance embora o próprio Machado, utilizando o recurso da metalinguagem afirme no seu prólogo à terceira edição que "há na alma deste livro, por mais risonho que pareça, um sentimento amargo e áspero que está longe de vir de seus modelos. É taça que pode ter lavores de igual escola, mas leva outro vinho". ( ASSIS, 1997).

É notória a identificação, no mesmo prólogo, dos modelos aos quais Machado de Assis se refere quando coloca o próprio narrador,o Brás Cubas, para explicar essas possíveis influências: " Trata-se de uma obra difusa, na qual, eu Brás Cubas, se adotei a forma livre de um Sterne ou de um Xavier de Maistre, não sei se lhe meti algumas rabugens de pessimismo".

Segundo Theodor Adorno, a posição do narrador se caracteriza hoje por um paradoxo: "não se pode mais narrar, embora a forma do romance seja a narração [...] Pois contar algo significa ter algo especial a dizer, e justamente isso é impedido pelo mundo administrado, pela estandardização e pela mesmice (2003, p.55-56).

Situando o romance como forma literária específica da burguesia o autor vai buscar o início do gênero " na experiência do mundo desencantado do Dom Quixote" (op.cit.p.55). A capacidade de dominar artisticamente a mera existência continuou sendo o elemento do romance , cujo realismo era-lhe imanente , mas esse procedimento tornou-se questionável nos dias atuais nas palavras de Adorno: " no curso de um desenvolvimento que remonta ao século XIX, e que hoje se intensificou ao máximo".

Do ponto de vista do narrador, o autor aponta o subjetivismo como fator que abalou as bases do preceito épico da objetividade.
Se o romance quiser permanecer fiel à sua herança realista e dizer como realmente as coisas são, então ele precisa renunciar a um realismo que, na medida em que reproduz a fachada, apenas a auxilia na produção do engodo (ADORNO, op.cit.p.57).

Estaria assim o autor elegendo o romance como uma forma de resistência à reificação, à coisificação do indivíduo no mundo contemporâneo. O rompimento com o realismo e a criação de novas formas de linguagem seria uma saída para alcançar o verdadeiro significado da essência do que se apresenta, quebrando o processo de mistificação.

Para Adorno, Joyce foi um autor coerente ao vincular a rebelião do romance contra o realismo a uma revolta contra a linguagem discursiva ( em Ulisses ele faz uma paródia à Odisséia, situando os personagens e incidentes relatados por Homero na Dublin moderna) mas aponta Marcel Proust como autor insuperável em matéria de susceptibilidade contra a forma do relato, quando explica:

Em Proust, o narrador parece fundar um espaço interior que lhe poupa o passo em falso no mundo estranho, um passo que se manifestaria na falsidade do tom de quem age como se a estranheza do mundo lhe fosse familiar. Imperceptivelmente , o mundo é puxado para esse espaço interior? atribuiu-se à técnica o nome de monologue antérieur - e qualquer coisa que se desenrole no exterior é apresentada da mesma maneira (op.cit,p.59).
E cita o exemplo onde Proust descreve, no início do seu ciclo de romances, o instante do modo como a criança adormece: " como um pedaço do mundo interior, um momento do fluxo de consciência, protegido da refutação pela ordem espaciotempo, que a obra proustiana mobiliza-se para suspender". (idem,ibidem)
Adorno observa que, quando em Proust o comentário está de tal forma entrelaçado na ação que a distinção entre ambos desaparece, o narrador está atacando um componente fundamental de sua relação com o leitor: a distância estética.

Ao contrário do que ocorria no romance tradicional, onde essa distância era fixa, no romance contemporâneo ela tira a tranqüilidade do leitor diante da coisa lida, chocando-o,como ocorre com a forma adotada por Kafka que , segundo Adorno, encolhe completamente essa distância.

Walter Benjamin também relaciona a origem do romance ao início da era burguesa , e o seu florescimento ao surgimento da imprensa, culminando com a morte da narrativa:

O primeiro indício da evolução que vai culminar na morte da narrativa é o surgimento do romance no início do período moderno. O que separa o romance da narrativa (e da epopéia no sentido estrito) é que ele está essencialmente vinculado ao livro. A difusão do romance só se torna possível com a invenção da imprensa (BENJAMIN, 1985,p.201).
Mas é o desenvolvimento do capitalismo que vai imprimir mudanças profundas às formas de organização e relações humanas, provocando uma crise no romance, evidenciada com o desaparecimento da experiência " fonte a que recorrem todos os narradores" ( op.cit.p.198).

A esse respeito Benjamin cita Valéry: "O homem de hoje não cultiva o que não pode ser abreviado.[...] dir-se-ia que o enfraquecimento nos espíritos da idéia de eternidade coincide com uma aversão cada vez maior ao trabalho prolongado. ( apud Benjamin,1985,p.207) e Leskov, definindo este último como magistral, na arte narrativa de evitar explicações.

Em "A fraude" , ou "A Águia branca", "o extraordinário e o miraculoso são narrados com a maior exatidão, mas o contexto psicológico da ação não é imposto ao leitor. Ele é livre para interpretar a história como quiser, e com isso o episódio narrado atinge uma amplitude que não existe na informação". ( op.cit.p.203). Leskov considerava a narrativa uma arte artesanal, um trabalho manual. Ele começa A fraude com uma descrição de uma viagem de trem, na qual ouviu de um companheiro de viagem os episódios que vai narrar, tornando assim a história um tanto autobiográfica .

MEMÓRIAS DE UM DEFUNTO REVOLUCIONÁRIO

1.1 A Crise do narrador

É a distância estética e a opção por novas formas de narrativa como a ironia, a galhofa ,o recurso do elemento visual, a falta de domínio do narrador sobre o seu objeto, que vamos encontrar no segundo período da obra de Machado de Assis , quando choca o leitor com a narrativa de Memórias Póstumas de Brás Cubas, cujo protagonista é um defunto autor.

É assim que começa a narrativa do primeiro capítulo:
ALGUM TEMPO hesitei se devia abrir estas memórias pelo princípio ou pelo fim, isto é, se poria em primeiro lugar o meu nascimento ou minha morte. Suposto o uso vulgar seja começar pelo nascimento, duas considerações me levaram a adotar diferente método: a primeira é que eu não sou propriamente um autor defunto , mas um defunto autor, para quem a campa foi outro berço; a segunda é que o escrito ficaria assim mais galante e mais novo. Moisés, que também contou sua morte, não a pôs no intróito, mas no cabo: a diferença radical entre este livro e o Pentateuco ( ASSIS, 1997,P.1).

O romance Memórias Póstumas de Brás Cubas é citado como obra realista na produção literária de Machado de Assis mas um olhar detalhado sobre a forma narrativa adotada por ele ao escrever Memórias aponta para um autor revolucionário, que provocou uma verdadeira ruptura no que se convencionou chamar realismo até então, tornando-se responsável por toda uma reorganização da literatura brasileira e do próprio romance ocidental de língua portuguesa, sobrepujando Alencar e Eça de Queiroz. (informação verbal em aula do professor Anco Márcio, em 25/04/2006)

Dessa forma,instala-se nessa obra de Machado de Assis, o primeiro romance onde aparece claramente a crise do narrador.

Ao adotar posturas literárias como a galhofa , a apresentação de um narrador que não domina o seu objeto , a metalinguagem, contrárias ao cientificismo do séc.XIX, Machado rompe com a narrativa realista antecipando o que seria o romance europeu do século XX, o romance moderno. O romance realista queria apreender o objeto, havia excesso de explicação na narrativa; no romance moderno surge a crise do narrador, que deixa para o leitor a complementação da sua narrativa.

1.2 Influências/ intertextualidade/ citações/digressões
A reconhecida influência em Memórias Póstumas de Brás Cubas de autores como Sterne, Xavier de Maistre e Garret é comentada por Antonio Cândido em À roda do quarto e da vida, em cujo texto o autor faz a apologia de que a influência de Xavier de Maistre teria sido maior do que a de Sterne na referida obra de Machado. E cita os capítulos pontilhados do Brás Cubas( 55 e 139), ou os capítulos-relâmpago ( como 102,107,132 ou 136) o garrancho da assinatura de Virgília no capítulo 142, como sendo formas de linguagem usadas por Xavier de Maistre , herdadas de Sterne. Antonio Cândido supõe que talvez de Maistre tenha servido de mediador entre Machado e Sterne, graças à presença dominadora da literatura francesa no Brasil.
Quando Machado fala em "maneira livre", está pensando em algo praticado por de Maistre ; narrativa caprichosa, digressiva, que vai e vem, sai da estrada para tomar atalhos, cultiva o a- propósito, apaga a linha reta, suprime conexões. Ela é facilitada pelo capítulo curto, aparentemente arbitrário, que desmanha a continuidade e permite saltar de uma coisa a outra. El vez de coordenar a variedade por meio de divisões extensas, o autor prefere ressaltar a autonomia das partes em unidades breves, que ao facilitarem o modo " difuso" enriquecem o efeito do todo com o encanto insinuante da informação suspensa, própria do fragmento ( CÂNDIDO,1996).

A hipótese de Antonio Cândido é de que o ingresso na segunda etapa da obra de Machado, adotando capítulos curtos,( a primeira etapa de quatro romances tinha capítulos longos) teria sido ajudada pela leitura de Viagem à roda do meu quarto (1794), de Xavier de Maistre , composto com capítulos dessa forma, cuja marca é visível no Brás Cubas. E cita como exemplo o capítulo 154 de Memórias, "Os navios do Pireu", onde o narrador repete uma anedota mencionada no capítulo 37 da Viagem, que Xavier de Maistre teria extraído de Fontenelle.

Mas para Antonio Cândido, o mais importante na influência demaistreana sobre Machado seria o caso dos atos involuntários, que em Xavier de Maistre são um apoio da narrativa e aparecem episodicamente no Brás Cubas, " de um jeito a não deixar dúvida quanto à transposição".

Sabe-se que Viagem à roda do meu quarto (influenciada pelo Tristram Shandy,1760/1767 e A Viagem Sentimental,1768, de Sterne) é uma obra repleta de digressões e reflexões, das quais , segundo Cândido "se destaca o interesse pelos atos involuntários, inclusive os que mais tarde seriam chamados atos falhos,[...] como se Xavier de Maistre estivesse inaugurando, mais de um século antes de Freud, algo parecido do que este chamaria de psicopatologia da vida quotidiana, baseada na análise dos lapsos" ( op.cit. 1996)

Um exemplo lembrado por Cândido é um capítulo de Viagem à roda do meu quarto, que assim finaliza:
Enquanto minha alma fazia estas reflexões, o outro ia indo por sua conta, e Deus sabe aonde ia!- Em lugar de ir à corte, conforme as ordens recebidas, desviou-se de tal maneira para a esquerda, que no momento em que minha alma o alcançou ele estava na porta de Madame de Hautcastel, a meia milha do palácio real. Pense o leitor no que teria acontecido se ele entrasse sozinho na casa de uma senhora tão formosa. (apud CANDIDO, 1996)

Linguagem semelhante é encontrada por ele no capítulo 66 "As pernas" de Memórias Póstumas de Brás Cubas, onde o "defunto autor" conta de que maneira, pensando na amante , elas o levaram sem que percebesse ao hotel onde costumava fazer as refeições:

Sim, pernas amigas, vós deixastes à minha cabeça o trabalho de pensar em Virgília , e dissestes uma à outra:-Ele precisa comer, são horas de jantar, vamos levá-lo ao Pharoux; dividamos a consciência dele, uma parte fica com a dama, tomemos nós a outra , para que ele vá direito, não abalroe as gentes e as carroças, rire o chapéu aos conhecidos, finalmente chegue são e salvo ao hotel. ( apud CANDIDO , 1996)
Analisando as considerações de Cândido cabe aqui uma pergunta: teria sido Machado influenciado por de Maistre ou diretamente pela obra de Sterne?

Muito provavelmente teria ocorrido a segunda opção quando se sabe que Machado, ávido leitor da literatura européia, certamente teria interesse e acesso à obra do autor de Tristram Shandy.

Na opinião de Sergio Paulo Rouanet não é em Sterne que buscaremos uma resposta para a forma literária shandiana, "e sim num dos mais perfeitos cultores da forma shandiana, nascido 126 anos depois de Sterne e a muitos milhares de quilômetros da sua Irlanda natal: Machado de Assis". (ROUANET,2004, v.18,n° 51). E lembra que no prefácio de Memórias, Brás Cubas define a obra:

Trata-se , na verdade, de uma obra difusa, na qual, eu, Brás Cubas, se adotei a forma livre de um Sterne ou de um Xavier de Maistre, não sei se lhe meti algumas rabugens de pessimismo. Pode ser. Escrevi-a com a pena da galhofa e a tinta da melancolia, e não é difícil antever o que poderá sair desse conúbio.
No prólogo à terceira edição, é Machado que delimita uma "família intelectual" onde Sterne é o patriarca ,e os descendentes são Xavier de Maistre, Garret, e ele próprio. Rouanet complementa:

E vai mais além: dá contornos conceituais a essa forma. É uma forma caracterizada 1) pela presença constante e caprichosa do narrador, ilustrada enfaticamente pelo pronome de primeira pessoa: Eu, Brás Cubas; 2) por uma técnica de composição difusa e livre, isto é, digressiva, fragmentária, não discursiva; 3) pela interpenetração do riso e da melancolia; e 4) pela subjetivação radical do tempo ( os paradoxos da cronologia) e do espaço ( as viagens)(op.cit., 2004,v.18,nº 5).

Além das influências já citadas à obra de Machado, vale aqui lembrar a obra de Stendhal, a cuja intimidade Machado se refere através do narrador Brás Cubas , de forma implícita:

QUE STENDHAL confessasse haver escrito um de seus livros para cem leitores , cousa é que admira e consterna. O que não admira, nem provavelmente consternará é se este outro livro não tiver os cem leitores de Stendhal, nem cinqüenta , nem vinte, e quando muito, Dez? Talvez cinco ( ASSIS, 1997).

Nessa observação que aparece na nota Ao Leitor, constata-se o recurso machadiano da " galhofa" uma ironia fina em relação à sua própria obra, ao mesmo tempo em que adota a metalinguagem ao explicitar suas expectativas em relação a Memórias. Ao fazer "galhofa" com a quantidade de leitores que poderiam ler o livro Machado está ao mesmo tempo solicitando a sua cumplicidade, cumplicidade esta que era solicitada por Stendhal, em O Vermelho e Negro, obra de 1830, quando relata as agruras por que passa o protagonista Julien Sorel:

Permita-nos o leitor que forneçamos poucos fatos claros e precisos da vida de Julien. Não porque eles nos faltem, muito pelo contrário; mas talvez porque o que ele viu no seminário é muito escuro para o colorido moderado que se procura conservar nestas páginas.[...]Temos medo de fatigar o leitor com o relato dos mil infortúnios do nosso herói(STENDHAL,1981,p.181-184).
Como Stendhal, Machado apresenta o perfil psicológico de um personagem que faz ode à hipocrisia, para conviver com uma sociedade da época ,também hipócrita. Julien Sorel , na França no período da restauração napoleônica; Brás Cubas, num Brasil em que as idéias liberais conviviam com a escravidão.
Julien não se abandonava ao excesso de sua felicidade
senão nos momentos em que Mathilde não podia ler-lhe a expressão nos olhos. Ele se desincumbia pontualmente do dever de dizer-lhe de tempos em tempos uma frase áspera (idem,ibidem, p.413).
Não menos hipócrita é a atitude do personagem Brás Cubas, ao se fazer amigo do marido de Virgília, sua amante:

Na noite seguinte fui à casa do Lobo Neves; estavam ambos, Virgília muito triste, ele muito jovial. Lobo Neves contou-me os planos que levava para a presidência, as dificuldades locais, as esperanças, as resoluções (ASSIS, 1997,p.122);
Stendhal e Machado utilizam com muita freqüência as citações e digressões. Estes exemplos mostram como é provável a influência de Stendhal na obra de Machado.
Citações:
A resposta lhe foi fornecida pelo papel de Tartufo.
_ "Eu não sou um anjo" [...] Servi-o bem, o senhor me pagou generosamente... Eu lhe era reconhecido, mas tenho 22 anos ( STENDHAL, 1981,p.419)[...]

Já o leitor compreendeu que era a Razão que voltava a casa, e convidava a Sandice a sair, clamando, e com melhor jus, as palavras de Tartufo:
La maison est à moi, c'est à vous d'en sortir ( ASSIS,1997)
Digressões:
Em O Vermelho e o Negro, página 149:
Deixemos, porém, passar esse homenzinho com seus pequenos temores; por que levou ele para casa um homem de coração quando precisava duma alma de criado? Não sabe ele escolher o seu pessoal?A marcha normal do século XIX é que, quando um ser poderoso e nobre encontra um homem de coração , mata-o, exila-o , encarcera-o ou humilha-o de tal forma que o outro comete a tolice de morrer de pesar. Por acaso, aqui não é o homem de coração que padece.
Em Memórias Póstumas, página 82:
Nariz, consciência sem remorsos, tu me valeste muito na vida...Já meditaste alguma vez no destino do nariz, amado leitor?A explicação do Doutor Pangloss é que o nariz foi criado para uso dos óculos,_ e tal explicação confesso que até certo tempo me pareceu definitiva; mas veio um dia, em que, estando a ruminar esse e outros pontos obscuros de filosofia, atinei com única, a verdadeira e definitiva explicação.
UMA ANTECIPAÇÃO DO MODERNO

2.1. Remetendo ao futuro
No capítulo LXXI, O SENÃO DO LIVRO, página 112, o defunto autor dá uma demonstração clara da crise do narrador, já um narrador moderno, aquele que não quer dizer tudo e tenta fazer do leitor um co-autor.
Começo a arrepender-me deste livro.Não que ele me canse; eu não tenho que fazer; e, realmente, expedir alguns magros capítulos para esse mundo sempre é tarefa que distrai um pouco da eternidade. Mas o livro é enfadonho, cheira a sepulcro, traz certa contração cadavérica; vício grave, e aliás ínfimo, porque o maior defeito deste livro és tu, leitor. Tu tens pressa de envelhecer, e o livro anda devagar; tu amas a narração direta e nutrida, o estilo regular e fluente, e este livro e o meu estilo são como os ébrios, guinam à direita e à esquerda, andam e param, resmungam, urram, gargalham, ameaçam o céu, escorregam, caem... ( ASSIS, 1997,p.112).
Neste capítulo apresenta-se um narrador que clama por um leitor ideal, um leitor implícito ( segundo a teoria da recepção de Iser, ratificada por Sartre), teoria que não se atem às velhas normas do realismo mas que sabe acompanhar o estilo irregular , as digressões, o estilo que se comporta como o ébrio, guinando à esquerda e à direita, parando para resmungar.

Essa crise do narrador em Machado remete ao futuro, quando James Joyce com o seu Ulisses, Proust, em À la recherche du temps perdu, Kafka em A Metamorfose , adotam uma linguagem que desvela esses passos de ébrio: o fluxo de consciência ou monologue intérieur , as digressões, a temática do tempo, os signos.

Proust, como Machado, parece considerar a literatura como " tarefa que distrai um pouco da eternidade", ao tratar do tempo, em sua obra como uma busca da verdade e um aprendizado, cujo objetivo parece ter sido alcançado no ocaso de sua vida, quando se recolheu para se dedicar exclusivamente à arte, a sua " verdade do mundo".

A crise do narrador estendeu-se aos demais escritores do século XX, ensejando a teoria da recepção. Se o autor não pode ou não quer mais narrar, cabe ao leitor ajudá-lo nessa tarefa.

2.2 Recepção e leitor implícito
Sendo o objetivo deste trabalho visualizar a crise do narrador, nada mais conseqüente do que falar, embora sem profundidade, no leitor no receptor da mensagem.

Em O Demônio da Teoria, Antoine Compagnon diz que os estudos recentes da recepção, se interessam pela maneira como uma obra afeta o leitor, "um leitor ao mesmo tempo passivo e ativo, pois a paixão do livro é também a ação de lê-lo " (2001,p.147-148). E cita as duas grandes categorias dos trabalhos desse gênero: os que dizem respeito à fenomenologia do ato individual de leitura( originalmente em Roman Ingarden e depois em Wolfgang Iser) e os que se interessam pela hermenêutica da resposta pública ao texto (em Gadamer e Hans Robert Jauss).

Dessa forma, Compagnon aponta os estudos da recepção como filhos de Roman Ingarden, fundador da estética fenomenológica no entreguerras, que via no texto uma estrutura potencial concretizada pelo leitor, na leitura, um processo que põe o texto em relação com normas e valores extraliterários, por meio dos quais o leitor dá sentido à sua experiência do texto. Surge daí a noção de pré-compreensão como condição preliminar para a compreensão. Como dizia Proust, "não há leitura inocente, ou transparente" . Daí a inferência de que o leitor vai para o texto com suas normas e valores, que por sua vez podem ser modificados pela experiência da leitura.

Iser acreditava que, se a obra é estável, se ela permite a percepção de uma estrutura objetiva, suas concretizações possíveis não serão menos numerosas, serão na verdade inumeráveis. Daí decorre a premissa de leitor implícito, calcada na de autor implícito que, ainda segundo Compagnon, fora introduzido pelo crítico americano Whaine Booth em A Retórica da Ficção (1961).

Para Iser o conceito do leitor implícito "designa uma rede de estruturas que pedem uma resposta, que obrigam o leitor a captar o texto". ( apud COMPAGNON, 2001,p.151).

Um estudo histórico mais detalhado da recepção literária é realizado por Sartre em 1948 em Qu'est-ce que la littérature, onde o autor enfatiza que a recepção de uma obra nunca é apenas um fato exterior a ela, mas uma dimensão construtiva da própria obra.

Em Le Plaisir du Texte (1973) Roland Barthes faz uma abordagem diferente da teoria da recepção. Enquanto Iser se concentra sobretudo na obra realista, Barthes aborda o texto modernista, privilegiando o hedonismo, onde" o leitor é um outro texto".

Mas é em Stanley Fish que se funda a " estilística afetiva", permitindo total autonomia ao leitor. Mais tarde, o próprio Fish elimina simultaneamente autor, leitor e texto.

Muito se poderia ainda falar sobre os destinos do leitor e da teoria da recepção mas aqui importa ressaltar que , diante da crise do narrador, dos seus lapsos , da incompletude da obra moderna , mais precisamente da obra de Machado de Assis em Memórias Póstumas de Brás Cubas, enfocada com relevância neste estudo, nada mais natural que surgisse um co-autor em cada leitor. Um leitor que priva do direito de completar a obra, de ter prazer com ela, de ser banido pela crítica literária, juntamente com o autor e o texto, mas que permanece fiel através dos séculos, a este ato de comunhão com os homens e com o mundo, que é sacralizado através da leitura de um livro.

E assim podemos chegar à nossa conclusão.





CONCLUSÃO

O presente trabalho teve a intenção de analisar aspectos da crise do narrador em Memórias Póstumas de Brás Cubas, de Machado de Assis, tendo como base a posição crítica de Adorno, Antonio Cândido e Walter Benjamin. Além do embasamento teórico foram estudados autores dos séculos XVIII a XX e sua possível contribuição à referida obra , como também o papel do leitor diante da crise do narrador.

O trabalho foi dividido em dois capítulos: 1- Memórias de um Defunto Revolucionário-subdividido em: 1.1 A crise do narrador e 1.2 Influências/intertextualidade/citações e 2-.Uma Antecipação do Moderno- subdividido em :2.1 Remetendo ao Futuro e 2.2- Recepção e Leitor Implícito.

Analisando a opinião da crítica literária e docente e baseada na minha observação pessoal chego à conclusão de que o romance Memórias Póstumas de Brás Cubas se inscreve entre as obras que estão à frente do seu tempo, quando o seu autor, Machado de Assis, através do defunto autor/narrador Brás Cubas, provoca uma verdadeira revolução na arte da narrativa , mais de um século antes do que se convencionou chamar de Modernismo.

Ao adotar posturas literárias como a galhofa , a apresentação de um narrador que não domina o seu objeto , a metalinguagem, contrárias ao cientificismo do séc.XIX, Machado rompe com a narrativa realista antecipando o que seria o romance europeu do século XX.

Apesar da Influencia de autores como Sterne, Xavier de Maistre, Garret, Stendhal, Machado adota uma linguagem particular, aproximando-se por antecipação de autores como Proust e Kafka, chocando o leitor e ao mesmo tempo solicitando a sua colaboração como co-autor.

Dessa forma, instala-se na obra de Machado de Assis, o primeiro romance onde aparece claramente a crise do narrador.


REFERÊNCIAS:

ADORNO,Theodor W., Notas de Literatura .Tradução e apresentação de Jorge M. B. de Almeida. São Paulo: Duas Cidades; Ed. 34,2003.

ASSIS, Machado de. Memórias Póstumas de Brás Cubas. São Paulo: Globo, 1997 ( Obras Completas de Machado de Assis).

BENJAMIN, Walter. Magia e Técnica, Arte e Política. Tradução de Sérgio Paulo Rouanet. São Paulo: Editora Brasiliense, 1985.

CÂNDIDO, Antonio. À roda do quarto e da vida. Revista USP, São Paulo(30): 94-107. junho / agosto 1996.

COMPAGNON, Antoine. O Demonio da Teoria-literatura e senso comum. Tradução de Cleonice Paes Barreto Mourão, Consuelo Fontes Santiago. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 2003.

FRANÇA, Junia Lessa. Manual para Normalização de publicações técnico-científicas. BH: Ed. UFMG, 2003.

MARCIO, Anco. Informação verbal em aula de 25/04/2006.
ROUANET, Sergio Paulo. Tempo e Espaço na forma shandiana: Sterne e Machado de Assis . Estud. Av., São Paulo, v.18, n° 51, 2004.

STENDHAL. O Vermelho e o Negro. Tradução de Souza Júnior e Casemiro Fernandes. São Paulo: Abril Cultural, 1981.

VALÉRY, Paul. Apud BENJAMIN, Walter. Magia e Técnica, Arte e Política. Tradução de Sérgio Paulo Rouanet. São Paulo: Editora Brasiliense, 1985.

LESKOV, Nikolai apud BENJAMIN, Walter. Magia e Técnica, Arte e Política. Tradução de Sérgio Paulo Rouanet. São Paulo: Editora Brasiliense, 1985

Sites da Internet:

http ://www. Scielo.br/ scielo, php? Script= sci arttex@prd+SO103- acess on 14 aug.2006.

http://www.usp.br/revistausp/n2/15roda.html. disponível em 17.08.2006.

Oliver Crowell citado em Memórias P.B.C

Oliver Cromwell

Origem: Wikipédia, a enciclopédia livre.
Oliver Cromwell
Oliver Cromwell
Lord Protector da Comunidade da Inglaterra, Escócia e Irlanda
Mandato16 de dezembro de 1653
até 3 de setembro de 1658
Antecessor(a)Carlos I
Sucessor(a)Richard Cromwell
Vida
Nascimento25 de Abril de 1599
HuntingdonCambridgeshire
Falecimento3 de Setembro de 1658 (59 anos)
Palácio de WhitehallLondres
CônjugeElizabeth Bourchier
ReligiãoPuritano
ProfissãoMilitar e fazendeiro
AssinaturaAssinatura de Oliver Cromwell
Oliver Cromwell (Huntingdon, 25 de Abril de 1599 – Palácio de WhitehallLondres, 3 de Setembro de 1658), foi um militar e líder políticoinglês e, mais tarde, Lord Protector do Protectorado. Nascido no seio da nobreza rural, os primeiros 40 anos da sua vida são pouco conhecidos. Após de passar por uma conversão religiosa na década de 1630, Cromwell tornou-se um puritano independente, assumindo uma posição, no geral, tolerante, face aos protestantes do seu tempo.1 Um homem intensamente religioso - auto-denominado de Moisés puritano — ele acreditava profundamente que Deus era o seu guia nas suas vitórias.
Cromwell foi eleito membro do Parlamento pelo círculo eleitoral de Huntingdon em 1628, e por Cambridge, no Pequeno (1640) e Longo Parlamentos (1640–49). Participou na Guerra civil inglesa, ao lado dos "Cabeças Redondas" ou Parlamentaristas. Chamado de "OldIronsides", foi rapidamente promovido da liderança de uma simples tropa de cavalaria para um dos comandantes principais do New Model Army, onde desepenhou um papel de destaque na derrota das forças realistas.
Cromwell foi um dos signatários sentença de morte do rei Carlos I em 1649, e, como membro do Rump Parliament (1649–53), dominou aComunidade da Inglaterra. Foi escolhido para assumir o comando da campanha inglesa na Irlanda durante 1649–50. As suas forças derrotaram a coligação entre os Confederados e os Realistas, e ocuparam o país – terminando, assim, com as Guerras confederadas irlandesas. Durante este período, foram redigidas uma série de Leis Penais contra os católicos romanos (uma minoria significativa em Inglaterra e na Escócia, mas uma grande maioría na Irlanda), e grande parte das suas terras foram confiscadas. Cromwell também liderou uma campanha contra o exército escocês entre 1650 e 1651.
A 20 de Abril de 1653, dissolveu o Rump Parliament pela força, instituíndo uma assembleia, de curta duração, conhecida como Parlamento Barebones, antes de ser convidado pelos seus pares para liderar como Lord Protector' de Inglaterra, País de Gales, Escócia e Irlanda, a partir de 16 de Dezembro de 1653.2 Como governante, esteve à frente de uma política exterior muito agressiva e eficaz. Depois da sua morte em 1658, foi sepultado na Abadia de Westminster mas, após a tomada do poder pelos Realistas, em 1660, o seu corpo foi retirado da sepultura, pendurado por correntes e decapitado.
Cromwell é uma das figuras mais controversas na história das ilhas britânicas, considerado como ditador regicída por historiadores comoDavid Hume, tal como citado por David Sharp,3 mas um herói da liberdade por outros, como Thomas Carlyle e Samuel Rawson Gardiner. Em 2002, numa escolha feita pela BBC no Reino Unido, Cromwell foi eleito um dos dez britânicos mais importantes de todos os tempos.4Contudo, as suas medidas contra os católicos na Escócia e Irlanda foram caracterizadas como genocídio ou quase-genocídio,5 e na Irlanda, o seu historial é profundamente criticado.6

Família e infância[editar]

Oliver Cromwell descendia de Catherine Cromwell (nascida cerca de 1483), uma irmã mais velha do estadista Tudor Thomas Cromwell. Apesar de ter casado, manteve o seu nome, possivelmente para manter a ligação com o seu tio famoso. Das suas crianças, Richard Cromwell (1500-1544) foi o pai de Henry Cromwell (1524 - 6 de Janeiro de 1603). As tendências extravagantes de Henry deixaram os seus herdeiros, incluindo o seu filho Robert Cromwell, Escudeiro (1560-1617) com uma herança que incluía terra mas nenhum dinheiro. Oliver nasceu do casamento de Robert Cromwell com Elizabeth Steward ou Stewart (1564 - 1654) a 25 de Abril de 1599.
Oliver nasceu em Huntingdon, no distrito de Huntingdonshire, condado de Cambridgeshire, em Ânglia Oriental. Ele foi um fazendeiro fidalgo, mas teve de vender a sua quinta e terras para pagar as dívidas acumuladas. Devoto da seita puritana radical, tornou-se um membro evangélico.

No Parlamento[editar]

Consta que Cromwell estava a ponto de emigrar para junto de seu tio na Virginia, como fizeram muitos puritanos, mas que desistiu pouco antes de fazê-lo. Decidiu então, em 1628, concorrer por Huntingdon a uma vaga no Parlamento - que seria posto em recesso pelo rei no ano seguinte. O seu discurso inaugural foi a defesa de um democrata radical que tinha argumentado a favor do voto universal num panfleto não autorizado.
Cromwell também se destacou na defesa das gentes da região de Fens ante os proprietários ricos que pretendiam expulsá-los das suas terras.

Lei[editar]

Cromwell criou o Ato de navegação. Esta lei obrigou que todo navio que entrasse ou saísse da Inglaterra teria de ser inglês; em consequência desse ato a burguesia enriqueceu.

Comandante militar[editar]

A influência de Cromwell como comandante militar e político durante a Guerra Civil Inglesa alterou dramaticamente o panorama político das ilhas britânicas.
Tendo aderido ao exército sem qualquer experiência militar com a idade de 43 anos, ele recrutou uma unidade de cavalaria e ganhou experiência e vitórias numa sucessão de batalhas na Ânglia Oriental. Promovido a General em comando da cavalaria no exército New Model Army (Exército de Novo Tipo, assim chamado porque não se compunha de mercenários mas de pessoas que acreditavam firmemente em sua causa), ele treinou os seus homens para rapidamente se reagruparem após um ataque, tática usada inicialmente com grande sucesso na batalha de Naseby. Dessa maneira, acabou substituindo o comandante anterior do Exército, o conde de Essex, que certa vez afirmou, durante a Guerra Civil: "Se vencermos o rei cem vezes, ele ainda será o rei; mas, se ele nos derrotar uma única vez, seremos enforcados". Para Cromwell, essa frase tornava inútil todo o trabalho de luta pelos ideais parlamentares e puritanos.
Com o sucesso militar veio o poder político, até que se tornou o líder político do seu tempo.

Regicídio[editar]

A chamada Segunda Guerra Civil Inglesa, que teve início em 1648 após a fuga de Carlos I da prisão, sugeriu a Cromwell que não seria possível obter um compromisso com o rei. Houve tentativas nesse sentido, inclusive com Cromwell se opondo aos que primeiro defenderam a deposição ou execução de Carlos I. Finalmente, o rei foi julgado, condenado à morte e decapitado, em Janeiro de 1649.
Costuma-se atribuir a Cromwell a principal responsabilidade pela condenação e morte do monarca, embora ele tenha sido julgado pelo Parlamento - ou pelo que restava deste - e houvesse 59 signatários no mandado de execução. Note-se que neste se determinava a execução do "rei de Inglaterra", ao contrário do que aconteceria no julgamento de Luís XVI, rei de França, em 1793, quando o ex-monarca será sempre referido como "Luís Capeto". Conforme observou Cromwell na ocasião, "executaremos o rei com a coroa na cabeça".

Escócia e Irlanda[editar]

As ações de Cromwell tornaram-no muito impopular na Escócia e na Irlanda - que, embora nominalmente independentes, eram efetivamente dominadas por forças inglesas. Em particular, a supressão dos monarquistas na Irlanda em 1649 ainda é recordada entre os irlandeses.
Suas medidas contra os católicos irlandeses são consideradas por alguns historiadores como genocidas ou muito próximas disso.5 Na Irlanda, Cromwell é profundamente odiado.
Em Drogheda, após a tomada da cidade, o massacre de 3500 pessoas, incluindo 2700 soldados monarquistas e todos os cidadãos que portassem armas - incluindo civis, prisioneiros e padres católicos - é uma memória histórica que tem alimentado o conflito entre católicos e protestantes e entre irlandeses e ingleses nos últimos séculos. Cromwell justificou o massacre alegando que os defensores da cidade continuaram a lutar, violando as normas de combate, mesmo depois que as muralhas da cidade foram penetradas.

Domínio político[editar]

Estátua de Cromwell no Palácio de Westminster, Londres.
Na sequência da vitória, a monarquia foi abolida e, entre 1649 e 1653, o país tornou-se uma república (denominada "Commonwealth of England"), mais de cem anos antes da Revolução Francesa. .
Muitas das ações de Cromwell que se seguiram ao fim da guerra civil parecem-nos hoje pouco sábias ou hipócritas. Ele foi cruel no controle das revoltas que ocorreram dentro do próprio exército no final da guerra (ligadas a falhanços no pagamento das tropas) e mostrou pouca simpatia pelosLevellers, um movimento igualitário que contribuiu fortemente para a causa do parlamento.
A sua política externa levou a um conflito com a República dos Sete Países Baixos, em 1652 - a Primeira Guerra Anglo-Holandesa, que acabou por ser vencida pelo almirante Robert Blake, em 1654.
Uma vez que o rei estava morto, deixou de existir uma causa comum, a unanimidade dissolveu-se e as diferentes facções do parlamento retomaram o combate político. Numa repetição das ações do rei deposto que haviam contribuído para a guerra civil, Cromwell dissolveu o parlamento republicano em 1653 e tomou o controle do Estado, como Lorde Protetor perpétuo.

Restabelecimento da comunidade judaica[editar]

Em 1290, os judeus haviam sido expulsos da Inglaterra, por Eduardo I. Cromwell autorizou o restabelecimento da comunidade judaica, acedendo aos pedidos de Menasseh ben Israel (ou Manuel Dias Soeiro) rabino de origem portuguesa, estabelecido em Amsterdam.

Exumação e execução[editar]

Em janeiro de 1661, dois anos após sua morte, o corpo de Cromwell, por ordem da Câmara dos Comuns, foi desenterrado, exumado e enforcado. O cadáver passou todo o dia do 12º aniversário da morte do rei Carlos I pendurado em uma forca em praça pública. Em seguida, sua cabeça foi decapitada e exposta espetada num piquê, enquanto seu corpo decapitado era enterrado sob a forca, em Tyburn (hoje Marble Arch), em Londres.7
A cabeça do ex-Lorde Protetor passou o dia em exposição até ser retirada e levada para casa por um soldado da guarda, que desapareceu com ela. A cabeça embalsamada passou de mãos em mãos por séculos, sendo inclusive vendida em 1814 como objeto, até ser finalmente enterrada nos jardins do Sidney Sussex College, em Cambridge, em 1960 o que poderia ser mentira, foi somente uma máscara.8

Referências

  1.  "The survival of English nonconformity and the reputation of the English for tolerance is part of his abiding legacy," says David Sharp, Oliver Cromwell (2003) p. 68
  2.  Oliver Cromwell (1599–1658).
  3.  Sharp, David. Oliver Cromwell. [S.l.]: Heinemann, 2003. p. 60. ISBN 978-0-435-32756-9
  4.  "Ten greatest Britons chosen", BBC, 20 October 2002. Página visitada em 27 November 2008.
  5. ↑ a b genocidal or near-genocidal:
    • Brendam O'Leary and John McGarry, "Regulating nations and ethnic communities", p. 248, in Breton Albert (ed). 1995, Nationalism and Rationality, Cambridge University Press
  6.  Ó Siochrú, Micheál. God's executioner. [S.l.]: Faber and Faber, 2008. ISBN 978-0-571-24121-7
  7.  Religion: Roundhead on the Pike. TIME. Página visitada em 23/06/2011.
  8.  Gaunt, Peter, Blackwell, Oliver Cromwell, pg.4. ISBN 0631183566