Gustavo de Oliveira Costa
Ainda hoje é comum, no interior do Nordeste brasileiro, suponho que em todo o País, ouvir-se falar de casas mal-assombradas. Em geral, são casarões antigos, à maneira das casas-grandes, propriedades de senhores semifeudais, com ruínas de senzalas ao lado, onde se presume ter havido alentada safra de escravatura ou onde ali haja residido algum gajo endinheirado, protetor de jagunços, usurário, bem unha-de-fome, ou de índole sanguinária.
Na Capital, essa tradição das visagens é muito menos e, quando elas acontecem, têm uma particularidade: a virulência e o espalhafato dos fenômenos. Estes se dão com semelhanças de fenômenos para normais e não são nada toleráveis. Os acontecimentos daí decorridos são traumáticos, arrepiantes e causa um tremendo rebuliço à vida dos moradores da casa que cedia às assombrações.
Os fatos mal-assombrados e as fantasmagorias de antigamente eram, ao que nos parecem, de muito menos aterrorizar e giravam em torno de “almas penadas”, que ainda viviam no limbo, sem proporcionar danos materiais ou físicos às pessoas; entidades que, se não eram de bom viés, também não se tornavam visagens ou “coisas do outro mundo” tão espalhafatosas e ocasionadoras de mórbido pavor.
Nos velhos tempos, às altas horas noturnas, geralmente por volta da meia-noite, os habitantes de uma casa em que havia aparições, ou visagens, apenas ouviam passos, alguém a arrastar cadeiras, batidas suaves na mesa ou no fogão, uma voz cavernosa, à distância, uma tosse seca de indivíduo tísico, um vulto indefinido passando, e assim por diante.
Dessa forma, as almas penadas eram, por assim dizer, personagens do além, mas com um nível razoável de tolerância e civilidade. Davam preferência para aparecer às visitas, muito menos aos da casa. Assim, amedrontavam, contudo não infernizavam os habitantes, como nas “lendas urbanas”, onde estas se fazem com feio fuzuê, supõe-se que mediante a presença do capeta, ele mesmo em pessoa, pura e simplesmente. E outra coisa: de muito em raro as visagens rurais apareciam às crianças. Respeitavam-nas, com carinho.
Minha mãe tinha um tio, com propriedade plantada num sítio muito ermo, de nome Calção, no qual afirmavam que as pessoas que lá dormiam ou viam e/ou ouviam coisas estranhas. Até mais se futricava que no casarão havia era dinheiro enterrado, uma baita botija, cheia de moedas de ouro e muitos patagões de cobre e prata. Acho que esta invenção era para valorizar mais ainda o mal-assombro da casa de Seu Malaquias, lá entre socavões de serras e tão afastada da civilização.
Certa feita, sendo ainda muito verde, uma bobagem de menino miúdo, e nem me recordo em que circunstâncias, junto com um meu irmão, lá na tal casa do tio Malaquias eu pernoitei e nada vi de anormal nem para normal. Também, ainda projeto miúdo, àquela época eu dormia era sob um sono de chumbo. Além de nem saber dessas histórias que só depois passei a ouvir da casa do sítio Calção, eu lá me ia importar com visões contadas pelos adultos! De jeito nenhum, que menino é bicho pragmático e dorme feito uma pedra.
Já desfiei, nestas mesmas páginas, assunto sobre o cão da Ita oco, um bairro de Fortaleza, cujo personagem dançante, numa residência, era bastante tinhoso e pregava sustos homéricos no coitado do pessoal, onde ele, coisa-ruim e muito revel, aparecia. Eram objetos voando, dançando a valsa vienense, e focos de incêndio, aqui e ali, e por aí vai. Noutro bairro, o São Cristóvão, faz menos de década, idem – uma série de danações, até com o testemunho da imprensa.